quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Poluição e seu entorno


O céu não se conquista no grito!
Antonio Carlos Lobo Soares*

Desde que passei a divulgar estas crônicas sobre som, sou instado a escrever sobre os conflitos de vizinhança envolvendo templos religiosos em Belém do Pará. A maioria das reclamações deve-se à falta de isolamento sonoro nestes locais, onde os sons “fogem” para a vizinhança. Eu vivi esta situação no bairro da Pedreira.

Uma amiga relatou seu sofrimento com um culto no bairro do Marco, onde “gritos de descarrego e exorcismo do capeta” lhe tiram o sossego diário. Ela sente falta de sono, irritação, dor de cabeça, enjoo e aceleração cardiovascular. Estressada, vive a ponto de quase suar sangue, um fenômeno raro conhecido como hematidrose.

Para que o som de um templo incomode os vizinhos, sua potência deve estar o dobro da adequada aos fiéis, os mais prejudicados com a falta de tratamento acústico. O som em espaços volumosos, com tetos elevados, sofre reverberação, prejudicial à inteligibilidade da fala. Ou seja, o padre/pastor capricha na pregação, entretanto, apesar da atenção dos fiéis, eles não entendem as palavras que são ditas.

Os cultos ambulantes também causam incômodo pelo som eletrônico alto. Não consta na bíblia que Jesus utilizasse caixa amplificada para pregar. Ao contrário, ensinava os discípulos e o povo que o seguia nas sinagogas e ao ar livre a elevarem seus pensamentos a DEUS, por meio da reflexão. Não era e nem é pelo grito e exorcismo que DEUS se manifesta. Ou seja, no ambiente urbano de hoje, o silêncio e a reflexão valem menos que o grito e a aparelhagem sonora.

A prática de soltar fogos de artifício quando da saída dos nubentes das igrejas no Centro Histórico de Belém, à noite, atesta a falta de civilidade dos envolvidos e a ineficiência do poder público em proteger os cidadãos. A lei pune tanto a perturbação do sossego alheio (contravenção penal), como a poluição sonora (crime ambiental). O primeiro caso amparado na Lei de Contravenções Penais (1941) e o segundo na Lei de Crimes Ambientais (1998).

A Lei de Contravenções Penais de 1941, ainda em vigor, trata em seu artigo 42 da perturbação do sossego alheios: I - com gritaria ou algazarra; III - abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos e pune os infratores com penas alternativas, em substituição a prisão simples, que existia na redação original.

Tenhamos em mente que “a configuração da perturbação do sossego está condicionada a premissa da existência de uma multiplicidade de vítimas”. Daí se configura a importância da coleta de assinaturas, como prova da perturbação do sossego de mais pessoas. Reflita em silêncio sobre isso!


* Arquiteto PhD, Museólogo e Artista Plástico,
Tecnologista Sênior do Museu Goeldi.

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