sábado, 19 de julho de 2014

PARA LEMBRAR A CHEGADA DE LANDI EM BELÉM (em 19/07/1753)

O BIBIENA DOS TROPICOS

Entre os muitos e ilustres Emiliano-romanholos que escolheram um país estrangeiro como segunda pátria, tem um que é muito conhecido longe da Italia e da sua cidade natal, Bolonha. Estou falando de  Giuseppe Antonio Landi, nascido em Bolonha dia 30 de outubro de 1713, filho de Carlo Antonio Landi, dotor em Filosofia e Medicina e docente de Logica e Filosofia n Universidade, e de Antonia Maria Teresa Guglielmini. Aluno predileto de Fernando Galli Bibiena na Academia Clementina, vamos encontra-lo em 1745 na direção da seção de Arquitetura, sem nem sonhar com o que lhe aconteceria dentro de poucos anos..

A  Historia da sua vida vai se cruzar com as questões das colônias ultramarinas espanholas e portuguesas quando em 1750 o Tratado de Madri, para poder  por ordem na briga entre esses dois países, decide a constituição de Comissões bilaterais. Tais comissões deveriam estabelecer as fronteiras daquilo que deveria ser o território português no Novo Mundo. Portugal, porém, se encontrava em sérias dificuldades pois não encontrava os técnicos necessários a causa da Inquisição que tinha desmantelado suas melhores escolas, até a de Sagres.

O carmelita descalço João Alvares Gusmão foi então encarregado pela Coroa portuguesa, de recrutar ‘católicos’ pra a Comissão portuguesa. De modo claro  seus superiores lhe ordenaram de excluir “espanhóis, franceses e holandeses, e também ingleses, so se fossem católicos”, assim como “napolitanos, sicilianos, parmenses, porque súditos da Espanha”.  A frei Gusmão só sobrava a peninsula itálica pra procurar o pessoal que precisava e ai lhe sugerem como áreas próximas aos interesses portugueses aquela de Roma, Milão, Veneza, Florença, Bolonha e Pádua.

É com estas indicações que frei Gusmão chega em Bolonha para contratar Antonio Giuseppe Landi como desenhador de mapas da Comissão de Demarcação das Fronteiras entre as terras descobertas por Portugal e Espanha nas Indias Ocidentais. Os outros membros foram encontrados em Mântua, Gênova, Milão, Basiléia e eram matemáticos, geógrafos, astrônomos, médicos e engenheiros. Esta mistura de competências técnicas desperta dúvidas sobre as verdadeiras intenções do governo português, o qual mantinha em segredo tudo quanto se relacionava a Comissão. Corriam vozes que a verdadeira razão daquela operação era a transferência da Corte para a colônia, ou seja, para Belém. A situação politica da Europa de então era tal que Portugal, tão pequeno,  se sentia ameaçado pela vizinha e potentíssima Espanha.

A morte do Rei de Portugal adia a viagem para o Brasil dos membros da Comissão, os quais chegam em Belém, na Amazônia, somente dia 19 de julho de  1753. Ali, novas dificuldades levam a adiar a viagem em direção a Mariuá, lugar escolhido para o encontro das duas Comissões. Landi, porém não consegue ficar parado e começa a ajudar Brunelli, o astrônomo, nas medições  resultantes da observação da lua. Para combater a  ociosidade  dos “engenheiros”, como eram chamados os membros da Comissão, o Governador do Grao Pará, Mendonça Furtado, decide ocupa-los com os mais diferentes tipos de trabalho. Alguns tiveram que reproduzir a planta da cidade de Belém. Landi, em vez, vai ajudar na decoração do altar mor da igreja de Sto.  Alexandre.

 Tem inicio desse modo o trabalho de Landi  na Amazônia.
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UM ARQUITETO NA FLORESTA

Nos dois anos que passa a Mariuá esperando a chegada da Comissão Espanhola, se ocupa em reproduzir com o desenho e a catalogar a flora e a fauna local da qual descreve o habitat; projeta o sepulcro da capela de Santana em Barcelos, encarregando-se, inclusive, da pintura da mesma; projeta o pelourinho, a igreja e o município de Borba-a-Nova.

Aquela permanência em Mariuá permite ao Governador de aprofundar  o conhecimento dos membros da Comissão, dos quais tinha pouquíssima estima. Somente Landi não evitava o trabalho naquelas zonas quentes e úmidas que derrubavam os outros europeus. O seu espirito empreendedor chama atenção do Governador que, assim  o escolhe como primeiro habitante  branco da vila de Borba-a-Nova, onde lhe presenteia uma casa “para viver com sua futura esposa”. E la se vai o Governador procurar esta esposa para ele, encontrando-a, finalmente, entre as filhas do Capitão mor João Baptista de Oliveira.

Dois anos depois a Comissão volta para Belém sem ter encontrado aquela espanhola. O aluno do Bibiena volta ao trabalho: desenha mapas e estuda a natureza, mas, principalmente, começa seriamente a fazer o arquiteto, sem desprezar os seus ‘negócios’.

Em 1757 faz a primeira visita a Igreja da Sé, em construção, que, depois,  será concluída por ele. Em 1759 dirige um cerâmica que produz telhas,  tijolos e vasilhame de barro, produtos esses inexistentes no mercado depois da saída de cena dos Jesuitas,  expulsos do pais pouco antes. No mesmo ano, por ocasião do envio à Corte Portuguesa do primeiro projeto do Palácio dos Governadores de Belém, Landi foi reconhecido e proposto como arquiteto.

Em 1760 foi chamado para organizar a parte cênica da festa do casamento da princesa D. Maria com o Infante D. Pedro. Traz nessa ocasião para a zona equatorial as tradições bolonhesas. A cultura Felsinea entra contemporaneamente nas formas e nos materiais usados na Igreja de Santana, quando Landi, devoto dessa santa, depõe a primeira pedra.

As controvérsias, porém, entre Portugal e Espanha não tinham acabado. Em 1761, o Tratado do Prado estabelece a desmobilização das comissões e Landi tinha que voltar para Lisboa. O Governador não concorda com tal pedido e solicita a sua  permanência no Brasil alegando, além do casamento (que desta vez se realiza realmente com a filha de João de Souza Azevedo) a ocupação de Landi  numa série de trabalhos que tinha iniciado.

Enquanto espera a resposta, Landi projeta o Armazém das Armas e trabalha na futura Catedral, desenhando o retábulo do Santissimo; inicia a reconstrução da Igreja de Santana; assume índios para recolher fruta e especiarias para mandar para Lisboa. Em 1762 dirige a reconstrução da Igreja do Carmo e inicia a construção da Capela de Santa Rita no oratório do Carcere de Belém. Pede permissão  para construir um forno  na fazenda Murutucu, a qual acaba comprando em 1766. Recebe, então, a patente de Capitão.

Somente em 1763 chega a autorização da Corte para que Landi ficasse na Amazonia. Em 1768 inicia a construção de um quartel, ao lado do Palácio dos Governadores e  o Hospital Real na praça da Catedral (onde hoje temos as 11 janelas). Em 1769 inicia a construção daquela que será a sua obra prima, a capela de S. João Batista e de um outra capela destinada a sepulcro, no convento de Santo Antonio. Em 1780 o encontramos plantando cacau e produzindo cachaça ajudado por escravos, mas acaba por contrair dividas com  a Companhia Geral do Grão Pará.

Mais uma vez os desentendimentos entre Portugal e Espanha atravessam sua estrada. Com a entrada em vigor do Tratado de Santo Ildefonso (1777) uma Segunda Comissão de Demarcação das Fronteiras deve ser formada. Landi parte novamente como desenhador de mapas em direção do rio Negro, onde, em 1787 adoece gravemente; já no ano seguinte está de volta a Belém. Morre na sua fazenda Murutucu dia 22 de junho de 1791. Foi enterrado, como de costume na época, na igreja de Santana, a sua preferida.

Nunca voltou a Bolonha, e talvez por isso tenha sido esquecido. A sua arte se encontra toda em Belém do Pará. Na casa onde ele nasceu, na Via Brocaindosso, consegui colocar uma placa recordando que “a sua obra arquitetônica, cujos magnificos exemplos se encontram em Belém do Pará, é patrimônio da cultura brasileira”.


Autoria de Dulce  Rosa de Bacelar Rocque

Este artigo foi publicado em italiano na revista da Região Emilia Romanha em 2003, e em 2005 em Edição do Senado Federal, vol 46 Versão em português revista e publicada no livro AS OBRAS DOS ENGENHEIROS MILITARES GALLUZZI E SAMBUCETI E DO ARQUITETO LANDI NO BRASIL COLONIAL DO SÉC. XVIII  Riccardo Fontana