domingo, 23 de junho de 2013

TESOUROS VIVOS: OUTROS 'S.JOÃOS'

É TEMPO DE FÉRIAS!!!

Um documentário me fez lembrar de quando íamos de férias para o Mosqueiro, nos anos ’50 do século passado. Quando, logo que acabavam as aulas, em fins do mês de junho,  irmãos e primos, íamos para a casa do tio Aguiar, na praia do Chapéu Virado, no Mosqueiro. Ele acolhia  nós cinco, filhos de suas três cunhadas, Suely, Marilia e Myriam, irmãs de sua mulher, a Tia Claudia.

A farra começava no momento de se preparar para ir pegar o navio. Ia conosco uma ‘ama’, a Laura, e, algumas vezes, nossa avó, a 'mamãezinha'. O navio saía do primeiro galpão do porto cheio de famílias com filhos, netos   empregadas.  As bagagens eram colocadas ao redor das cadeiras, onde parávamos somente poucos minutos. Nós queríamos era ir lá para fora. Fugíamos ao controle da ‘ama’ que, afoita, corria a nossa procura e nos recolhia ao redor da mamãezinha.

Não se usava ainda calça comprida.  Íamos com nossos vestidos de cambraia, de algodão, com folhos e laçarotes, e nos pés, sandálias ou sapatos com meias  brancas.  Ninguém pegava o navio de short, nem os homens.

A chegada era outra confusão, pois tínhamos que correr para pegar lugar nos ônibus, que eram somente dois: velhos, mal cuidados, mas enfeitados com corôas de manjericão. Algumas vezes o tio Aguiar mandava o caseiro nos esperar no porto,  guardando alguns lugares no ônibus pra nós, que nunca eram suficientes. Nós cinco crianças, de 5 a 12 anos, nem pensávamos nas maletas,  pacotes e caixas que iam conosco, a nossa preocupação era sentar no ônibus...e lá íamos embora  com gente pendurada por todos os cantos.



Passar pelo Hotel do Russo e a Igrejinha do Chapéu Virado queria dizer que estávamos chegando.  Mais uma parada e estaríamos em casa. Os tios nos esperavam na porta daquela casa de estilo europeu, com sua caixa d’água coberta por uma espécie de chapéu de bico... Nela vivia também um engenheiro de origem austríaca, com suas duas filhas. Assim, com o Franklin,  éramos 8 crianças/jovens de 5 a 15 anos, a correr e fazer zuada pela casa.

No dia seguinte era um corre-corre para tomar o café da manhã e ir para a praia. O pãozinho do Mosqueiro e tapiocas no leite de côco estavam nos esperando na mesa, onde tínhamos que sentar todos juntos, com os adultos. “Será que a maré está cheia?” perguntávamos às empregadas.

A casa ficava na estrada que nos dividia da praia. De fronte, mangueiras enormes  nos separavam da  praia, onde, descendo, encontrávamos outras duas mangueiras que dividiam a paisagem com dois coqueiros, um dos quase  deitado  na areia. Essa era a vista que tinhamos da janela de cima.


Iamos  com as amas para a praia. Pulávamos as ondas; brincávamos de jacaré; corríamos atrás dos tralhotos e dos papagaios e curicas que caiam pras nossas bandas. ... As 11 horas, voltávamos pra casa para tomar banho, almoçar e descansar.. ou deixar descansar os mais velhos.

Uma noite, logo no primeiro fim de semana chegou o “boi”, para dançar para nós.  Era a primeira vez que o via. A sala de visita se comunicava com a sala de jantar, e ficaram cheias de gente nessa ocasião. Meu tio convidava alguns poucos vizinhos para assistir ao “BOI”. Os ‘grandes’ ficavam  sentados e nós, a criançada, se espalhava por trás dos sofás, cadeiras e batentes das janelas  para assistir a ‘peça’.  Curiosos também chegaram apoiando-se do lado de fora nas janelas e na porta apreciando a dança do ‘boi’. 

Ao começarmos a entender a historia do ‘boi’, começava a torcida,  a gritaria e os ‘psius’ dos grandes... Depois, os nossos comentários; a nossa tristeza pela morte do boi; a nossa raiva do patrão; e quem ia ser a 'grávida'? já pensando em organizar o 'nosso boi'.

Num outro ano veio um ‘pássaro’ dançar para nós.  A mesma algazarra do ano anterior, os mesmos poucos convidados e as mesmas comidas e bebidas.  Entre nós surgiu a comparação com o ‘boi’. Qual era o mais bonito? O ‘boi’ diziam uns; o  ‘pássaro’, diziam outros, assim nos dividimos em dois grupos: o do boi e o do pássaro, e durante as brincadeiras nos chamávamos de acordo com o grupo que pertencíamos: Hei, Boi Felix! Hei pássaro Julia...

Foi um documentário feito por Stéfano Paixão, o qual, ao salvar a memória de sua terra, Baião, me fez voltar atrás de algo que mudou no tempo e está quase desaparecendo. Me fez lembrar as histórias que ouvíamos quando íamos para o ‘interior’. Me fez pensar como ‘salvar a memória’ é importante.

Nós temos um PATRIMONIO’ enorme, não somente arquitetônico, que devemos preservar, defender, e principalmente, nos orgulhar... o que nem sempre acontece, e é uma pena".
Obrigada Stéfano por ter-me lembrado de tudo isso.

Assistam: Velhos Baionaras - Tesouros Vivos

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sessão Especial na ALEPA

Neste dia 6 de junho fomos convidados a participar de uma Sessão Especial  proposta pelo deputado Raimundo Santos, destinada a tratar a implosão do prédio da Receita Federal.
Além de alguns deputados, estavam presentes representantes  de Associações, foruns, ongs  que se interessam da cidade. A Civviva, presente com alguns membros da sua Diretoria preparou a seguinte nota:

Bom dia a todos os presentes. 

Agradecemos o convite e principalmente parabenizamos o deputado Raimundo Santos  pela ideia que teve de discutir com a cidadania o problema da implosão do prédio do Ministério da Fazenda, destruído por incêndio. Gostariamos de aproveitar a ocasião e pedir o mesmo para aquele do INSS, da Dr. Morais, também destruído por um incêndio. Agora, no caso fosse  incendiado aquele horroroso da Boulevard Castilhos França, poderíamos já antecipar o pedido de implosão dele também. 

Nenhum desses edifícios foi bem vindo nos endereços em que se encontram, pois so vieram  enfeiar o entorno da nossa história. Me permitam, então, aproveitar  a oportunidade para falar de áreas tombadas, do nosso centro histórico, em particular da Cidade Velha.

Na n/Constituição o Art. 216, V, § 1º: " O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro...".  Promoverá: sublinho essa palavra porque escrita num tempo de verbo totalmente ignorado. O que na verdade acontece é que  até  informações a respeito do que vai ser "promovido”, nós, como  cidadãos, somos os últimos a saber. Não existe o costume de perguntar a opinião dos cidadãos como é em vez previsto em lei. Nos acostumaram ao método de "governo sem diálogo"; agradecemos portanto a possibilidade que temos, nesta ocasião, de falar  dando a nossa opinião.

Os 400 anos da Cidade Velha se aproximam e nós não vemos um programa coerente que seja,  para ‘melhorar’ a salvaguarda da nossa memória e muito menos o modo de  vida de quem mora em área tombada. As leis continuam a falar de  preservação e proteção e nós, moradores e proprietários, concretamente, vemos bem pouco ou nada a respeito.

Outro dia lemos num jornal uma relação de intenções (talvez era + um  PAC das cidades históricas), relativamente a restauro de casas, praças e pouco mais, sem alguma ligação entre si. Me veio em mente que em novembro de 2009, uma relação parecida com essa, foi discutida no Cinema Olimpia. Eram as ações propostas para o PAC das Cidades Históricas e umas 100 pessoas estavam  presentes; eram de várias categorias e partidos, e muita polemica foi feita. 

Naquela ocasião, porém, como Civviva, entregamos a Fumbel, Iphan e Secult, componentes da mesa, uma relação com as ações  que pensávamos ser necessárias fazer no bairro mais antigo da cidade. Não se falava ainda  de 400 anos de Belém e ao fazer aquela relação, portanto, pensamos naquilo que diz a lei: O Poder Público Municipal promoverá , garantirá e incentivará a preservação, conservação, proteção, tombamento, fiscalização, execução de obras ou serviços visando a valorização do Patrimônio Cultural do Município de Belém. 

O tempo passou e, assim sendo, o que pedimos naquela ocasião, nós atualizamos um pouco e, hoje, podemos assim resumir o que seria interessante ter presente caso seja feito um projeto para os 400 anos da Cidade Velha:
- a restruturação da orla do Beco do Carmo, visto ter-se tornado uma área perigosíssima e seus moradores viverem de modo indigno. Não entendemos por que ninguém se preocupa com aquela margem de rio do Centro Histórico;
- Restauro e revitalização Mercado do Porto do Sal, abandonado a si mesmo há dezena de anos. Outro local aprazível jogado as baratas por tantas administrações e, praticamente vetado à cidadania pelo total abandono;
- Restruturação da praça República do Líbano (S.João) e seu entorno, com atenção as atividades (venda comida) que criam sujeira. Aquilo é o paraíso de advogados, juizes, promotores e, quem sabe, até de deputados, e ninguém nota o estrago que fazem naquela pracinha;
- Restruturação da Praça do Carmo de modo que seja usada como tal e não continue a ser campo de futebol , de skate, de criket, e sua parte  histórica, não continue sendo usada como motel ou sanitário.
- Proibição de concentração carnavalesca ou de eventos cuja altura das musicas provoque trepidação nas construções existentes no entorno de praças tombadas.
- Destinação de uso do Palacete Pinho, levando em consideração o fato de não ter estacionamento (ninguém de fato se preocupa com o que  a ocupação pode provocar naquela rua estreita). Pedimos isso encarecidamente pois o transito pode piorar muito mais se for uma escola para a classe média que abusa do estacionamento em filas duplas com a buzina funcionando;
- Recomposição, restauro e salvaguarda das calçadas de liós, cuja maior parte delas está escondida sob camadas de cimentos que aumentam a medida que cresce a altura do asfalto na rua;
- Iluminação adequada do bairro e possivelmente com os fios subterrâneos; as ruas estreitas e as calçadas ocupadas por postes, nos obrigam a andar pelo meio da rua como se fossemos cavalos.
- Bueiros: providências para que suas tampas não possam ser retiradas.
- Canal da Tamandaré: resolução do problema de alagamentos causados por maré alta e chuva;
- retorno aos paralelepípedos que estão sob camadas de asfalto, desse modo poderão aflorar as calçadas de liós.
- colocação de bastões iguais aos das calçadas da Praça D. Pedro II, nas ruas cujas calçadas são usadas como estacionamento, afim de garantir segurança e o direito dos pedestres. Principalmente ou ao menos na Dr. Assis, Dr. Malcher, Siqueira Mendes, Tomasia Perdigão, Joaquim Távora, Trav. Felix Rocque;
- que seja respeitado o direito de uso das calçadas pelo pedestre, evitando assim o uso das mesmas por parte de atividades que as ocupam (exposição de produtos a venda, lavagem de motores, deposito de areia/madeira /tijolo/telhas ou, mesas/cadeiras de bar, etc).
- Reposição das placas com nome das ruas, indicando:
a)  o q aconteceu na data  que denomina a rua;
b) quem foi a pessoa q dá nome a rua c/ data de nascimento e de morte.
- Questão de  lixo e lixões: resolução do problema, até com campanha na tv e nas escolas que também costumam por o lixo nas calçadas (estreitas) fora de horário.
- Questão da água: seja porque falta seja porque é barrenta (a que sai das torneiras) em todo o Centro Histórico. (Vocês sabem a quantidade de poços artesianos que existem na CV? A UFPa fez um estudo a respeito);
- Código do Transito: a) fazer, nas ruas, as  sinalizações previstas;
b) proibição de circulação de veículos superiores a 3,5 ton.
c) exigência de estacionamento para clientes de todas as  atividades autorizadas, incluindo escolas.
d) sinalização com faixas amarelas frente a entrada das igrejas, afim de evitar estacionamento;
e) proibição de atividades que possam aumentar o transito na Cidade Velha.
- em todas as concessões de licenças para localização de estabelecimentos comerciais, industriais e de prestação de serviço, a Prefeitura deve lembrar o art. 15 do CP, de modo especial relativamente ao:
II - o sossego, a saúde e a segurança da população na área; assim sendo, mesmo a distancia de monumentos tombados, exigimos sossego e segurança;
- Respeitar o  Art. 16 do CP o qual veda, no setor residencial, a localização de estabelecimento que, pela natureza de suas atividades que  produzam ruídos excessivos ou perturbem o sossego dos habitantes;
(Por falar nisso, atrás do Palacete Pinho deve ter uma moedora de café, q quando entra em função perfuma até a Sé, além de encher de pó os nossos móveis...imaginem o q acontece  com o Palacete Pinho).
- Remoção das atividades abusivas que ocuparam a rua e as calçadas na Tamandaré e entorno (Breves, Óbidos);
- verificar quanto tempo ainda o Bechara Matar vai ficar ali daquele jeito e que  seja lembrada a previsão de estacionamento para a atividade que um dia será exercida no local, caso não decidam pela implosão do mesmo;
- verificar onde estão os estacionamentos dos locais autorizados na Praça da Sé e seu entorno (restaurantes, bares e locais noturnos) até a Praça do Carmo e, se não existem, seria oportuno providenciar para poder sobrar lugar para os carros dos moradores, pois nós não podemos construir garagens porque  temos que salvaguardar o patrimônio assim como ele foi tombado;
- planejamento e implementação de campanhas educativas, permanentes e massivas a todos os níveis,  relativamente ao uso de praças e ruas, em geral, e de defesa do nosso patrimônio histórico. Regras básicas de cidadania e educação ambiental e patrimonial, começando pelos funcionários públicos.

Se vocês confrontarem o que nós pedimos, com o que foi em vez apresentado ao Ministério, agora, pela administração pública, vão ver que o que pedimos foi, tudo, praticamente ignorado.

Não somos consultados a priori, como prevê a lei e ainda somos ignorados como moradores nas opções e propostas que são feitas quando precisam de dinheiro.

Podemos entender que  as competências são de vários órgãos, mas, um projeto para os 400 anos da Cidade Velha, poderia e pode ser feito levando também em consideração  as necessidades dos moradores do bairro e não somente o que a nossa nova classe média e/ou possíveis turistas vão querer ver e encontrar onde NÓS moramos.

Com o tombamento de áreas da Cidade Velha e da Campina pelo IPHAN, incluimos agora, para completar o que  já tínhamos pedido, o adequamento do Código de Postura e do PDU a essa nova realidade. Que sejam estabelecidas distancias, altura do som, tipo de atividades e quanto mais seja necessária à uma verdadeira defesa e salvaguarda da nossa memória, do nosso patrimônio arquitetônico e ambiental.

Aliás, talvez fosse justo e oportuno que dentro das leis que governam o uso do território fosse introduzida uma parte especial so para o Centro histórico e área tombada, de modo que seja  clara a intenção do Poder Publico de proteção e preservação  da nossa memória através dos nosso patrimônio arquitetônico, ao menos.

Lembramos que a palavra ‘revitalização’ não está presente em  nenhuma das leis em vigor, mas é usada no documento mandado ao Ministério... A maior parte das coisas que nós pedimos, em vez, são previstas  em lei e não vemos a aplicação, talvez e principalmente, porque as leis que preveem isso não foram regulamentadas.

Me permitam dizer que é muito triste descobrir a má fé que se esconde em tal modo de agir. Sem regulamentação uma lei nem sempre pode ser obedecida, assim temos o Plano Diretor, o Código de Postura e tantas outras leis,     importantíssimas para a defesa do nosso território,  que vivem como letras mortas, e são totalmente inúteis.

Em nenhum ponto as leis falam em revitalização mas em recuperação, defesa, preservação e proteção. Então, encher as ruas da Cidade Velha de bares e restaurantes vai preservar ou defender a memória de quem? Afinal de contas somos NÓS que moramos ali, somos NÓS que votamos, que somos eleitores, não os turistas, e somos NÓS que não queremos viver num cenário de filme a ser vendido para enriquecer quem? Um cenário que, além de tudo, com certeza, nada tem a ver com nossa memória.

  Obrigada pela atenção.



  Dulce Rosa de Bacelar Rocque


Os quatro cavaleiros


Para quem não sabe: em alguns municípios do Apenino tosco-emiliano, na Itália, existem monumentos aos Pracinhas, a FEB. São agradecimentos pelo que eles fizeram durante a Segunda Guerra Mundial.

Quando la morei, tive a oportunidade de conhecer essa realidade. Descobri quanto eram lembrados com gratidão,  os brasileiros da FEB, os nossos 'pracinhas'. Visitei alguns dos lugares por onde eles passaram,  em  companhia  de Arnoaldo Berti, o  'proprietário'  de Monte Castelo.

Acho justo que vocês conheçam ao menos 4 pessoas que dedicaram suas vidas a não deixar seus con-cidadãos, italianos, esquecessem o que  os brasileiros fizeram por eles.

Agradecemo o SrLUIZ ROBERTO MARIN PISSUTTI, autor  do artigo abaixo, pela disponibilidade.

Dulce Rosa De Bacelar Rocque - Presidente Civviva

http://www.adiexitalia.org/37-editorial/64-os-quatro-cavaleiros

Os quatro cavaleiros


Tempos de guerra são tempos difíceis. Perdem-se princípios e valores. Esvaem-se resquícios de civilidade e morrem as mais primitivas crenças. A ética some e tudo passa a ser permitido.
Os efeitos do conflito mundial dentro da Itália podem ser encontrados em cada “comune” atingida. A Grande Guerra deixou sequelas no povo italiano. Porém, o horror e o desespero, aos poucos, foram cedendo lugar a histórias belíssimas, recheadas de conquistas heroicas, amores eternos, monumentos à memória e livros, dentre tantas outras maneiras que os habitantes da zona atingida encontraram para recordar a atuação dos aliados, especialmente dos “pracinhas brasileiros”, nos combates em que participaram.
Quase sete décadas após o término da Segunda Guerra Mundial existem na Itália pelo menos quatro homens que carregam nos ombros, como um modo de agradecimento, a responsabilidade de não deixar morrer a história gravada, indelevelmente, no tempo e no espaço, pela Força Expedicionária Brasileira.
Eles não são brasileiros, todavia são os atuais guardiões da História da FEB na Itália. Cada um deles com uma característica diversa. Todos os quatro com um desejo comum: manter viva a memória dos heróis que combateram entre o Apenino Tosco-Emiliano e o vale do Rio Pó, durante a Segunda Grande Guerra.
Eu os conheci muito bem, pois convivi com eles por mais de dois anos. Todos os quatro, com paixão, com delicadeza e com determinação, levam adiante os feitos dos combatentes brasileiros. Não deixam apagar da lembrança do povo italiano, particularmente da Toscana e da Emília Romanha, os inúmeros atos de heroísmo praticados.
Para ser mais exato, foi na cerimônia em homenagem à Tomada de Monte Castello, local de uma das mais árduas batalhas da FEB, que tive a oportunidade de aprender o quanto importante foram nossos “pracinhas” nos poucos meses que lutaram na Europa. Naquele dia cheguei à conclusão que a epopeia na Itália foi muito maior do que foi noticiada no Brasil.
Com o Monte Castello descortinado diante de meus olhos, num dia frio, de céu azul, mas cheio de neve, conheci os “quatro cavaleiros”: Fabio Gualandi, Giuliano Cappelli, Mario Pereira e Giovanni Sulla. Cada um deles com uma história a contar.

O primeiro “cavaleiro” chama-se Fabio Gualandi. Muito mais que contar a história, Fabio fez parte dela, pois naqueles anos de domínio nazifascista, também sentiu a dor e a indignação, como os que perderam pais, filhos, irmãos, parentes e amigos.
Fabio Gualandi tinha 14 anos de idade quando ajudava os soldados cozinheiros a preparar as refeições para os que combatiam em Gaggio Montano e em Montese. Assistiu cenas de guerra que não esqueceu nunca. Fez amizades inumeráveis. Ajudou e foi ajudado.
Quando conheci Fabio Gualandi, em fevereiro de 2006, ele portava um lábaro branco, com a insígnia da FEB, contendo a inscrição “MONTE CASTELLO – 21-2-1945”. Naquele momento tive a certeza de que aquele homem teria histórias incríveis a relatar. E passei a ouvi-lo.
Gualandi é um arquivo repleto de informações únicas. E suas vivências e belas histórias deram vida a um livro simples, mas cheio de significado: “Monumentos dedicados ao soldado brasileiro”, uma pequena mostra da sua eterna gratidão aos “pracinhas” da FEB. Seu testemunho enriquece, ainda mais, os feitos dos soldados brasileiros.

Encravada na Reserva Natural de Montefalcone, entre Santa Croce sull’Arno e Castelfranco di Sotto, Província de Pisa, uma rústica construção de pedra, que foi erguida pelos “pracinhas” da FEB, ficou durante quase 60 anos escondida debaixo de arbustos, árvores e ciprestes. A “capelinha dos soldados brasileiros”, como foi chamada pelos habitantes da região, destinada a celebrações religiosas, foi encontrada após um árduo trabalho de busca, do qual participou ativamente Giuliano Capelli, nosso segundo “cavaleiro”. É importante destacar que Cappelli é quem prepara, anualmente, a cerimônia junto à Marginetta di Staffoli”, pararecordar os atos de fé praticados pelos nossos “pracinhas”. Durante a cerimônia ganha destaque a aposição da imagem de Nossa Senhora de Lourdes na pequena gruta de pedra.
Em 7 de junho de 2003 foi “reinaugurada” a “capelinha”. Na ocasião, uma família de Staffoli entregou uma placa que foi conservada durante mais de meio século, cuja inscrição relata: “O 11º Batalhão do Depósito de Pessoal da Força Expedicionária Brasileira, que neste local esteve acampado durante a Grande Guerra Mundial, aqui deixa este marco, inspirado nas tradições católicas do povo brasileiro, solenemente inaugurado no dia 2 de março de 1945”.
Capelli, destacando-se pela forma diligente com que sempre tratou os temas afeitos à FEB, tendo uma fotografia da pequena gruta, em 2008, deu à “Marginetta” a forma original. Graças ao seu trabalho, hoje pode-se admirar a beleza rústica da capelinha.

O terceiro “cavaleiro” chama-se Mario Pereira. E como falar de Mario sem falar no Subtenente Miguel Pereira, seu pai? Miguel, após a decisão do Governo Brasileiro de entrar na guerra, voluntariou-se para partir com a Força Expedicionária Brasileira. Um dia, questionado sobre a sua participação na Campanha da Itália, respondeu: “...Eu era militar, vivia do Exército, era Sargento e senti o dever, o dever moral de partir...”. Em 1946, Miguel Pereira foi encarregado de zelar pelo Cemitério Brasileiro de Pistóia, onde repousavam os heróis tombados em solo italiano.
Inicialmente, Miguel e um grupo de soldados brasileiros tomaram conta do Cemitério, sendo que a partir de 1948, até 1960, Miguel foi o guardião do Cemitério de Guerra, sozinho. Em 1960, os restos mortais dos “pracinhas” foram trasladados para a cidade do Rio de Janeiro.
Nos anos seguintes foi construído no mesmo local do velho cemitério o Monumento Votivo Militar Brasileiro de Pistóia. Miguel Pereira permaneceu à frente do Monumento até sua morte, em 3 de fevereiro de 2003. O legado de manter acesa a chama do Monumento Votivo Militar Brasileiro de Pistóia passou para as mãos de seu filho, Mario Pereira.
Mario realiza um trabalho exemplar. Dedicado ao extremo à causa febiana, destaca-se como um “embaixador” da FEB em terras italianas. Conhecedor profundo da história de nossos “pracinhas”, desenvolve atividades que repercutem tanto na Itália como no Brasil.
Como guardião do Monumento Votivo Militar Brasileiro, nas cerimônias evocativas, Mario Pereira conduz o “Gonfalone da FEB”, estandarte criado em 2006 como símbolo representativo da Força Expedicionária Brasileira na Itália. O estandarte foi condecorado com algumas das mais altas honrarias, dentre as quais destacam-se a Ordem do Rio Branco, a Ordem do Mérito Militar e a Ordem do Mérito Aeronáutico.

O quarto cavaleiro é Giovanni Sulla, de Montese. “Giovannino”, para os mais íntimos, tem orgulho de viver na cidade onde a FEB encontrou pela frente a sua mais sangrenta batalha. Em Montese pereceram, dentre outros bravos soldados, o Sargento Max Wolff Filho, o Aspirante Francisco Mega e o Tenente Ary Rauen. Giovanni Sulla, em seus discursos, faz questão de enfatizar que na sua terra a FEB foi heróica. Sempre que possível lembra a todos que o sangue derramado pelos soldados brasileiros em Montese serviu para libertar o seu país. Sulla sabe tudo sobre o contingente militar brasileiro que combateu na Itália. Desde a mais simples história, até o mais complexo funcionamento de um armamento utilizado durante a campanha. Conhece os pormenores das encostas dominadas pelos inimigos para a defesa, bem como as posições de ataque das tropas empregadas em Montese.
É capaz de discorrer sobre a FEB dias e dias, sem repetir uma história sequer. Foi o idealizador de diversos monumentos em homenagem à participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Todos eles distribuídos em uma área plena de histórias de guerra. Publicou livros e participou de documentários.
Giovanni Sulla ama o que faz. No seu modo simples de ser, atrai para si a atenção de todos quando conta as histórias de um tempo em que não viveu. Mas parece ter participado da guerra, tal a riqueza de detalhes com que emoldura as aventuras brasileiras nos Apeninos. Possui em seu museu particular peças raríssimas, todas elas adquiridas nas feiras militares pelo mundo afora. Dentre elas, duas chamaram a minha atenção: um guardanapo, com a assinatura de todos os oficiais integrantes do estado-maior da FEB, e uma maca, que foi utilizada para o transporte de um “pracinha” ferido em combate. O sangue do herói brasileiro ainda mancha a lona verde-oliva, após quase 70 anos.
Falar sobre a FEB com Giovanni Sulla é ver seus olhos brilharem e emocioná-lo. Relembrar algum “pracinha” já falecido é provocar as suas lágrimas. Sulla é um homem dócil e querido por todos por onde passa. Não há como não identificá-lo. Criou o “seu pelotão” próprio, o Grupo “Fratelli sulla Montagna”, onde ele veste-se de 1º tenente, com uma farda da FEB. O lema do “seu pelotão” é “A COBRA VA SEMPRE FUMANDO”, numa criativa maneira de dizer que a História da Força Expedicionária Brasileira não será esquecida pelos italianos da Toscana e da Emília Romanha.

Nas participações em cerimônias evocativas conheci outros tantos italianos e italianas não menos importantes como Francesco Berti, Giancarlo Macciantelli e sua inseparável Bandeira Brasileira, Lauro Biagini, Moreno Costa, Gino Costantini, Giovanni Zaccanti, Giuliana Pereira, esposa do Subtenente Miguel Pereira, e Maria Barbieri. Também conheci prefeitos e administradores locais, todos eles envolvidos na manutenção de um histórico rico de eventos. Vi inteiras comunidades, escolas e entes públicos e privados participando de cerimônias evocativas. Ao ouvir os relatos de todos eles compreendi a importância do soldado brasileiro para o sofrido povo italiano, na II Grande Guerra Mundial.
Aqueles militares da FEB que escalaram as montanhas geladas da Itália, cumprindo os seus deveres de soldados, não serão esquecidos. As suas jornadas heroicas ficarão registradas nas páginas de velhos livros e na lembrança de quem, ainda hoje, mantém viva a história dos feitos notáveis de uma geração que soube lutar por um nobre ideal: o ideal de liberdade.



LUIZ ROBERTO MARIN PISSUTTI – 1º Tenente QAO – foi Auxiliar do Adido do Exército junto à Embaixada do Brasil na Itália, no período de março de 2006 a Julho de 2008.