quinta-feira, 26 de setembro de 2013

PESAR: a ‘profecia’ do Mosaico de Ravenna está se realizando


Foi  com profundo pesar que tomamos conhecimento da aprovação por parte do IPHAN, da proposta de novo  uso do edifício do Bechara Mattar que se encontra na entrada da Cidade Velha.

Sabemos que o IPHAN,  “como instituição federal  tem por atribuição identificar, preservar e promover o patrimônio cultural brasileiro”. Foi próprio por partilhar dessa consideração que nos admiramos de tão solerte aprovação sem nem ao menos sugerir algumas defesas do nosso Centro Histórico. Sabemos que a análise lá, não considera a questão normativa de cunho urbanístico, mas algumas sugestões podiam ser dadas, ou não seria ético?

Há já algum tempo que, como Associação de moradores, lutamos para resolver o problema do estacionamento na Cidade Velha, onde calçadas tombadas são usadas como estacionamento de veículos de toda sorte de tamanho e peso; onde proprietários perderem o direito de fazer garagens em suas casas para salvar nossa memória histórica; onde atividades lúdicas economicamente muito rentáveis continuam a serem  autorizadas no entorno de bens históricos sem estacionamento para clientes, ignorando desde o Código de Postura até outras leis de maior ou menor importância ... e temos que ver calados a chegada de um shopping sem  estacionamento em área tombada? Isso é um insulto a cidadania, é uma prepotência, além de um péssimo exemplo de uso das nossas normas jurídica, do valor que deveria ter um Plano Diretor, pior, de ‘defesa’ dessa área tombada.

Há anos o caos provocado pelo transito desordenado nesta área da cidade é conhecido por quem trabalha e/ou passa habitualmente por ali. O ‘aparecimento” de vans e kombis que desconhecem o Código do Transito, não veio certo melhorar a situação da Cidade Velha... e se autoriza um shopping sem estacionamento? E o “Estudos de Vizinhança” (para conhecer essa realidade)  foi feito ou pedido por alguém antes de aprovar esse projeto?

Autorizar mais um restaurante chic, onde, num raio de poucos metros, encontramos já outros, onde bem poucos cidadãos paraenses tem acesso....e também sem estacionamento para seus clientes, pode ser considerado outro absurdo. Engraçado, restaurantes esses para quem tem carro, não para quem anda de ônibus, e não lembraram de prever um estacionamento...

A necessidade de um restaurante popular naquela área é evidente. Alguém já se perguntou onde  comem os funcionários de museus, lojas, bancos, órgãos públicos, taxistas, comerciantes  e comerciários vários, que gravitam naquele entorno?  A maior parte dessas pessoas usa ônibus, e não iria, portanto,  poluir o ar ou ocupar calçadas na hora do almoço. Eles também tem direito de ver Belém do alto das copas das mangueiras... ou essa opção foi uma forma de defesa daquelas pessoas que vendem comida nas calçadas sem respeitar  as mais elementares regras de saúde pública?

Sabemos que as ‘autorizações’ são dadas por órgãos da Prefeitura e que não é um problema do IPHAN, mas permitir que a situação do Centro Histórico piore sem nem ao menos solicitar atenção para o que tal empreendimento irá provocar, podia ser lembrado.

Não conseguimos ver de que forma este projeto, esta solução contemporânea,  dialoga “com elementos formais do passado”. Isto não nos parece  um  dialogo, mas uma ‘agressão’. Agressão não somente a nossa inteligência, mas ao bom senso e ao bom gosto.

Podemos até ter “ bons exemplos no Brasil e no exterior, de  soluções contemporâneas em áreas históricas  que são internacionalmente reconhecidas como bem resolvidas”, mas isto não se aplica ao caso em exame, pois parece mais um tapa na cara de quem defende o nosso patrimônio. Nos faz perder a confiança num futuro diferente; nos faz desacreditar na democracia.

Desse jeito,  a  ‘profecia’ do Mosaico de Ravenna vai aos poucos, e prepotentemente, se realizando... Então perguntamos: por que tombaram a Cidade Velha se o interesse não é defende-la?

Dulce Rosa de Bacelar Rocque.

Cidadã da Cidade Velha.