sexta-feira, 24 de março de 2017

QUINTA FEIRA DE CINZAS....na Prefeitura de Belém


Quinta-feira de cinzas: o palácio em chamas

(Moema de Bacelar Alves)


Trabalhei, há alguns anos, no Museu de Arte de Belém (MABE), mais especificamente no período em que os salões de exposição de longa duração estavam fechados para restauro do telhado e se fazia um minucioso projeto para recuperação de todo o Palácio Antônio Lemos, que abriga o museu e a prefeitura. À época, já anunciávamos que o edifício era uma bomba relógio devido à alta carga gerada pelo largo uso de computadores e ar condicionados. Não foi com surpresa, portanto, que recebi a notícia do incêndio que se deu ontem no local. Mas foi, sim, com profunda tristeza. Tristeza, inclusive, por saber que esse incêndio foi só a ponta do problema.
Há pouco mais de um ano sofremos grande perda em nosso patrimônio cultural com o incêndio que consumiu o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Poucos meses depois, pelo mesmo motivo, perdemos parte do acervo da Cinemateca Brasileira, também na capital paulista. A proximidade dos acidentes reacendeu, então, a discussão sobre o estado delicados que nossas instituições culturais se encontram no que tange à prevenção de incêndios. Discussão essa que havia sido chamada a atenção também em 2013, quando o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) publicou um alerta aos museus para revisarem seus planos de combate a incêndio e segurança. No entanto, mesmo com toda a questão em voga e com todos os relatórios e avisos há anos sendo dados, os órgãos responsáveis não atuaram em defesa do palácio...
Lamentavelmente, temos vários outros exemplos de museus que perderam parte importante de seus acervos em acidentes assim, por falta de devida prática de prevenção contra incêndios e manutenção de seus edifícios. Poderíamos falar, por exemplo, do caso do Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), em Belo Horizonte, 2013, que teve perda de acervo; ou, no mesmo ano, do princípio de incêndio que ocorreu no edifício do antigo Museu do Índio, no Rio de Janeiro, o qual, por sorte, não atingiu nenhum dos indígenas que moravam lá na ocasião; e ainda do caso, no ano seguinte, do Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, queimando número significativo de quadros, esculturas, móveis antigos e réplicas em gesso.
Não podemos deixar que o nosso MABE entre nesse rol funesto. Seu acervo, composto por pinturas, mobiliários, esculturas, numismática e fotografias que somam mais de 1600 peças, constituem valioso patrimônio público que nos permite conhecer parte da história da cidade pela perspectiva das artes. Seu edifício, tombado nas esferas municipal, estadual e federal, foi construído entre 1860-1885, período do apogeu do comércio da borracha, como sede da câmara e prefeitura –função esta que segue tendo. Sendo um exemplar da arquitetura do período da Belle Époque e há mais de um século funcionando como sede do poder, foi palco de acontecimentos importantes da nossa política, configurando-se, portanto, como um importante símbolo do poder local. Deixá-lo chegar nesse estado, a ponto de ocorrer um curto-circuito capaz de destruir sua estrutura e tudo o que abriga é, no mínimo, um desrespeito com a história, com a arte, com a cultura e a sociedade, principal atingida com a perda de um patrimônio dessa relevância.
Um caso desses não se trata apenas da segurança do patrimônio, trata-se também da segurança dos funcionários e usuários desses espaços culturais tão importantes para a cidade. Felizmente não houve vítimas fatais no caso do palácio, no entanto, como consequência da ação para conter o fogo, a biblioteca do museu, especializada em arte, memória e patrimônio, foi severamente atingida, fazendo com que livros, trabalhos acadêmicos, mobiliário, cortinas e computadores fossem molhados e danificados com a água amarelada do incêndio. Muitas das obras de arte expostas também não saíram ilesas, pois a fuligem da fumaça desceu e sentou nas peças, o que irá demandar árduo trabalho de limpeza.
A situação, portanto, é das mais graves e requer toda a nossa atenção e pressão para que medidas urgentes sejam tomadas de modo a impedir novos acidentes e para que, ao mesmo tempo, sejam dadas condições de recuperação do Palácio Antônio Lemos e seu acervo. Como usuária, sendo visitante, pesquisadora e ex-funcionária, sinto profundo pesar em saber dos danos causados e não podia deixar de fazer esse registro. Torço para que se possa, de alguma forma, minimizar os estragos e espero, ainda, que esse triste e revoltante acontecimento sirva de alerta a todos aqueles locais onde imperam a negligência, o abandono e o descaso – os quais, infelizmente, não são poucos.

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