sexta-feira, 10 de maio de 2013

O livro que não saiu


Relembrando a Mostra: COM EIRA, BEIRA E...RAMO DE MANGUEIRA

Minha avó, quando falava de alguém que considerava pobre e sem
origens, costumava enfatizar dizendo que era: sem eira, nem beira, nem
ramo de figueira. Hoje, a parte final deste ditado foi esquecida, mas,
quando parei de banalizar o olhar, ele me voltou em mente por inteiro.

Isso aconteceu quando decidimos fazer um livro de fotografias do nosso
patrimônio, onde a intenção era mostrar o que sobrou dos vários estilos
arquitetônicos existentes em nossos bairros. Além do colonial, queríamos
lembrar aqueles produzidos por aquela “nova elite” pertencente aos
setores privilegiados da população que aqui viveram no tempo da
borracha. Era nossa intenção, inclusive, resgatar elementos decorativos
de estilo barroco, rococó, eclético, até chegar ao muito mais recente “raio
que o parta”. Praticamente, queríamos mostrar algo do remanescente de
pouco menos de duzentos anos de arquitetura feita em Belém, que,
distraidamente, olhamos... não vendo.


A
s fotografias começaram a ser feitas e os problemas começaram a
aparecer. A impossibilidade de retratar alguns imóveis a causa de
publicidades e pichação em seus frontões se materializou concretamente.
Postes e fios elétricos eram outros inconvenientes que encontrávamos.
A medida que avançávamos na pesquisa, mais difícil se tornava o
nosso intento. Mesmo mudando de estilo e de bairro a situação não
melhorava. Seja no Reduto que na Campina ou na Cidade Velha, o
problema se apresentava igualmente, com pequena exceção para a
Avenida Nazaré.



A insensibilidade, a especulação imobiliária, a incúria,
reduzia, portanto, de muito nossas fotos. Até o clima não nos ajudava,
certamente. O Palacete Pinho, com seu restauro inacabado, já
apresentava um pé de apuizeiro no telhado.
Ao passar pela Rua XV de Novembro nossa ilusão se
dissipou definitivamente. Como a maior parte dos imóveis ainda é
“original”, ela tinha sido escolhida como uma das ruas para este
levantamento. Foi ali que ficou ainda mais do que claro a total
impossibilidade de fotografar a fachada inteira das casas a causa da
poluição visual: publicidades, poste e fios elétricos as cobriam,
praticamente, por inteiro.


Aquela rua, assim como a João Alfredo, a Santo Antonio e
outras ruas do comércio, ainda tinham muitos imóveis bonitos para
deixá-las de lado. Alí podia-se intuir como o Código de Postura
vigente na época da construção daquelas casas tinha sido seguido
a risca: as beiras estavam la presentes... muitos era ainda possível
reconhecer o estilo e até encontrar a beleza de alguns detalhes.
Resolvemos então nos preocupar em fotografar a parte de cima, os
andares superiores daqueles casarões onde postes e fios elétricos
não chegavam.


Começamos a evitar uma casa, a causa de um ramo de planta no
telhado, outra, pelas plantas que tinham na janela, outra ainda pela
grandeza da arvore que tinha se desenvolvido na parede lateral, e assim
por diante... não sobrava quase nada. Outro problema tinha se
materializado, pesadamente.




Aquelas casas não tinham sido construídas por pessoas sem eira
nem beira... como previa a concepção da minha avó. Algumas ainda
eram do tempo em que o Código de Postura previa aos habitantes da
cidade a obrigatoriedade de “fazerem limpar as testadas de suas
habitações sempre que estiverem sujas...” (1), triste e difícil, portanto,
retratá-las, sem demonstrar a situação de abandono em que se
encontrava aquela herança cultural, testemunha do nosso passado.
Não tivemos outra opção: vimo-nos assim obrigados a centrar nosso
foco de atenção na realidade, sem nada esconder. Se queríamos
fotografar nosso patrimônio, necessário era demonstrar em que
situação se encontrava.



 Como nunca tivemos a tradicional “eira”, ou seja, aquela área
externa mais ensolarada do terreno ao redor da casa e usada para
secar grãos, sementes, milho, etc., decidimos substituí-la,
imaginariamente, com nossas calçadas de lioz, na triste situação
em que se encontram hoje. E, como estamos em Belém, onde todas
essas casas tem beira, como pretendeu o Intendente Antonio
Lemos, em vez de ramo de figueira, e abusando da licença poética,
resolvemos unificar o tipo de vegetação encontrado . Nasce assim
o nome deste trabalho
.

É portanto com imensa tristeza que, além de poucos imóveis
bem tratados, apresentamos também alguns exemplares do que
sobrou do patrimônio arquitetônico do nosso centro histórico, na
situação em que se encontram:


com eira, beira... e ramo de mangueira.

Dulce Rosa de Bacelar Rocque
Presidente Associação Cidade Velha-Cidade Viva

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