terça-feira, 18 de julho de 2023

HISTÓRIA DE... "ÍNDIOS"

 

A historiografia brasileira sempre achou que os povos “índios” não merecessem fazer parte da nossa história, mas somente da Etnografia... consequentemente, a história do Brasil começa na Europa e os autóctones aparecem somente no século XVI para desaparecerem logo após.

No século XIX foram repescados por uma literatura que, de modo ambíguo, reforçava a ótica europeia. Para Gonçalves Dias, José de Alencar e até mesmo Carlos Gomes, o indígena tinha a cabeça do colonizador: era considerado aliado dos portugueses, o que não era verdade.

Salvo raríssimas exceções à população local não foi permitido deixar traços ou sinais da própria cultura. A influência da própria língua aparece somente na geografia dando nome  a sitos naturais e a cidades e rios. Na Amazônia encontramos um pouco mais nas comidas, também.

O interesse pelo  “pau Brasil” encontrado no litoral aumentava o risco de serem escravizados, o que os levou a se afastarem cada vez mais dessa área e dos “civilizadores”. Até a primeira Constituição  brasileira os ignorou, correção feita com o Ato Institucional de 1834, onde ficou estabelecido que a Assembleia das Províncias devia reunir os índios em colônias ... afim de facilitar a catequese e de consequência, também, a apropriação, indevida, de suas terras.

Em 1961, depois de uma longa luta para salvar o salvável, nasce o Parque Indígena do Xingu para onde levaram os 5000 sobreviventes, encontrados então, e representando  17 nações indígenas diferentes. Passam assim a viver em “reservas” nem sempre delimitadas, ou respeitadas e, mais uma vez, tutelados por um governo historicamente hostil a sua sobrevivência.

Em 1967 nasce a FUNAI, para coordenar a política indigenista nacional, para cuidar do seu patrimônio, proteger as suas terras e promover a  assistência médica. Essa politica integracionista acabou negando suas diferenças culturais e históricas e só teve fim  com a Constituição de 1988.

Em 1990, no sul do Pará, numa área de 3,3 milhões de hectares, viviam cerca de  3.550 indígenas do grupo Kaiapó, sobrevivendo das riquezas existentes ali. Depois da descoberta de ouro naquela área, aumentou o comercio inclusive  de mogno e óleo de  castanha do Pará e  seus costumes são alterados, mais uma vez. O contato com o mundo externo aumenta, e eles descobrem a sociedade de consumo. Inicia uma “expansão capitalista” e sobretudo uma revolução nos seus costumes de vida começando com o abandono do cultivo da terra.

Com a introdução dos bens de consumo e de novas tecnologias nas aldeias, os Kaiapós permitem também a infiltração daquelas culturas que tinham evitado por séculos. Aprendem a usar o  rádio e se comunicar com os outros grupos indígenas do Parque do Xingú; com o registrador cobravam as promessas feitas pelos políticos; com um avião controlavam que mineradores abusivos não roubassem ouro no território deles.

 O medo de perder a própria identidade inicia a ser combatida por eles com os meios que os brancos  ensinaram a usar. Nus, as vezes até com os corpos pintados, saiam com uma tele câmera a tiracolo, registrando tudo, conscientes que  a própria cultura era o elemento principal da identidade comunitária. Entenderam que aquele conteúdo  era um recurso politico para conquistar aliados não indígenas.

As imagens dos índios com alta tecnologia girou o mundo. Aproveitaram para  protestar contra o estado brasileiro e até o Time publicou a denúncia relativa a construção de uma central hidroelétrica que inundaria suas terras... Quando o antropólogo Terence Turner viu o trabalho feito pela comunidade indígena se perguntou: Como essa gente que consideramos inferior e subdesenvolvida, fez esse trabalho¿ Será que não avaliamos bem a inteligência deles¿ Essa ação abriu os olhos dos movimentos de defesa dos direitos humanos e dos ambientalistas, fortalecendo as  ligações com as tribos.

É o tempo que, Raoni conquista o auxílio internacional do cantor Sting, que levou a criação de organizações não governamentais de proteção à floresta e aos Kayapó, como a Rainforest Foundation e sua filial brasileira Fundação Mata Virgem (Rabben, 1998).

As negociações com as autoridades, a aliança com vários movimentos e as manifestações feitas em várias cidades tiveram cobertura da mídia. Além de fortalecer os próprios valores culturais, com os vídeos, chamaram atenção do mundo todo...

Hoje, a distancia de mais de 20 anos: o que aconteceu que a apropriação cultural e politica dessa nova tecnologia, não se propagou e agora estamos descobrindo o que fizeram os “colonizadores” na Amazônia inteira... Como entraram e prosperaram os "cercadores de ouro" nessas áreas? A riqueza dos Kaiapós que fim levou? Os Yanomamis, em que situação estão? E as outras etnias? Quem permitiu o avanço de tanta desgraça?

No penúltimo censo o IBGE registrou quase 900 mil indígenas no país. Hoje, qual a participação das várias etnias no total da população brasileira?

Os atuais  "politicos" indigenas terão muito o que fazer ...

Para mudar o avançar dessa história, a preservação é necessária, porém, dentro e fora dos territórios indígenas...

 

PS.  Parte desse artigo foi publicado na Italia, em setembro de 2002, na revista Mundo Brasil. 

                                                                                  

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