domingo, 7 de julho de 2024

L’UNITÁ FECHOU


AGRADECIMENTO AO L’UNITÁ

 Dia 31.07.2014 fecharam o jornal do Partido Comunista Italiano, criado por Gramsci em 12 de fevereiro de 1924.

Cheguei na Italia, mais precisamente em Piacenza, em agosto de 1971. Era pleno verão. A cidade ficava a beira do rio Pó, o maior da Italia com pouco mais de 600km. Ali começava a região Emilia Romagna, com capital em Bolonha. Do lado de lá estava a região Lombardia, cuja capital era Milão.

A poucos minutos da cidade num descampado, uma festa de interior se realizava, era o tal de festival do L’Unitá, o jornal do Partido Comunista Italiano. Ias la para comer, dançar e fazer política.

Parecia o Arraial de Nazaré da minha infância, so faltavam os teatros do meu pai. As comidas que vendiam eram todas regionais e feitas pelas senhoras das várias sessões que se juntavam para recolher dinheiro para ajudar o Jornal. Tinha pescaria; casinhas numeradas onde os coelhos deviam entrar; brinquedos para crianças e música ao vivo para os mais velhos: polca, valsa e mazurca, herança do período austríaco. Esses ritmos eram chamados de ‘liscio’, ou seja: liso.

Era tempo da guerra fria e dos governos da Democracia Cristã na Italia. Publicidade, bem poucos faziam no jornal comunista, necessária, era, portanto, muita solidariedade para manter em pé o jornal que defendia os trabalhadores.

Durante o verão, todas as sessões do PCI se movimentavam para fazer sua festa; para ajudar o partido, seu jornal. Todos trabalhavam de graça e quem produzia vinho oferecia parte da produção para a festa. O pão era feito em casa pelas camponesas, assim como as salsichas e a copa.

Do lado de la das barraquinhas de comida, tinham outras destinadas a difusão de livros, revistas, discos, k7 e artesanato. Dependendo do tamanho da cidade, essas áreas aumentavam e ofereciam mais coisas. Nas capitais de província a festa durava de dez a quinze dias.

Aos poucos, indo naqueles maiores, descobri a área internacional, onde cada barraquinha era dedicada a um país que precisava de ajuda, e aí comecei a levar os problemas do Brasil para as festas do L’Unitá: era o tempo da ditadura.

Comecei a procurar material para difundir informações, mas era difícil. A censura evitava que o mundo conhecesse a nossa realidade, coisa que até quem morava aqui desconhecia. Foram documentos da Igreja católica que me salvaram. As denúncias DE PRISÕES, ASSASSINATOS E EXPULSÔES DE PADRES, MAS NÃO SOMENTE, levavam tempo para chegar, e eu as traduzia e ciclostilava nas sessões do PCI.

Durante dez anos passei minhas férias girando a Italia de costa a costa, nesses festivais do L’Unitá denunciando a ditadura e recebendo todo apoio necessária a luta que travava.

 Em 2014 o L’Unitá fechou os batentes e levou consigo uma parte da minha história e da luta contra a opressão no mundo. Passaram-se mais de 50 anos, de quando comecei a usar e abusar da bondade dos italianos, denunciando a ditadura. É hora de agradecer a todos aqueles desconhecidos que ajudaram em algum modo o Brasil a voltar a democracia... agora precisamos evitar de perde-la... e eles também.

Dulce Rosa de Bacelar Rocque (Márcia ou  Mapcua)

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