sexta-feira, 10 de julho de 2020

Os sons da madrugada em tempos de quarentena


Mais algumas observações do amigo Antonio Carlos, enquanto outros, muitos, aliás, dormem.

Os sons da madrugada em tempos de quarentena 
Antonio Carlos Lobo Soares*

A redução das atividades sociais no período de lockdown (6 a 25.05.2020) nos permitiu experimentar uma Belém mais silenciosa, com menos tráfego rodoviário. Nesta quarentena, integrando um estudo nacional sobre os efeitos da pandemia do COVID 19 no ambiente urbano, dediquei 15 minutos diários para contar os veículos e medir o som que produzem e chega ao meu apartamento. Constatei que de fato houve grande redução sonora e hoje escrevo sobre os efeitos desta redução na madrugada.

Na quadra onde resido, a madrugada é, em tempos normais, dominada pelos sons de bares de esquina. O fechamento destes permitiu perceber vozes na rua e nos apartamentos vizinhos, distantes mais de 70 metros.

Estudos ornitológicos indicam que os passarinhos estão iniciando o seu canto matinal de comunicação e acasalamento cada dia mais cedo, para evitar o ruído do tráfego que impera no ambiente. Por este motivo, fiquei acordado durante toda uma madrugada para checar se isto acontece nesta quarentena.

A experiência de passarinheiro na ótima adolescência na Av. J. Bonifácio me permitiu identificar os cantos do: Sabiá, Bem-te-vi, Cigarrinha do norte, Pipira, Suí, Tem-tem e Putiti-puruí entre os dominantes. O Sabiá iniciou a cantoria às 2h50 seguido pelo Bem-te-vi as 3h43, confirmando as expectativas. Seus sons intercalavam-se com os de um galo, instalado num quintal distante 130m de casa.

Trata-se de um galo especial, porque difunde um som do campo ou, como se diz no Pará, do interior, num raio de 150m no bairro da Cremação. Se o professor Takashi Yoshimura da Universidade de Nagoya não respondeu por que os galos cantam pela manhã, se pra marcar território ou reagir a estímulos, quem sou eu para identificar um padrão em seu comportamento. De todo modo, contei 23 cantorias em 14 minutos!

Na medida em que o sol nascente se aproxima, alguns cães ladram nos quintais e motocicletas buzinam nos cruzamentos, não importando se a população ainda dorme. Cães e motos registraram picos sonoros entre 70 e 80 dB, enquanto a legislação recomenda 50dB. Durma-se com esta discrepância!

Nesta época o sol aparece por volta das seis, hora em que o sino da Igreja dos Capuchinhos anuncia a chegada de um novo dia. Nele seguimos a nossa sina, enquanto passarinhos, cães e galos cantam indiferentes, mascarados pelos sons do tráfego e de máquinas em obras em nossa cidade, porque a vida no ambiente urbano é dinâmica e não pode parar, nem na quarentena.

* Arquiteto PhD, Museólogo e Artista Plástico,
Tecnologista Sênior do Museu Goeldi.

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