sábado, 1 de junho de 2019

O PREMIO DADO A CHICO BUARQUE


Vamos sair da Cidade Velha e de Belém  também, com seus problemas, para falar de musica e do que elas podem nos transmitir. Prestar atenção nas mensagens que as musicas nos passam atraves do tempo é algo que está passando de moda pois, ultimamente... pouco dizem.

Temos lembranças, porém, deixadas pelas marchinhas de carnaval, de boleros chorosos, de sambas dolorosos, enfim, musicas que contavam problemas de vários tipos como os que a seca causava; a falta d'agua no Rio; questões das mulheres, dos negros, dos pobres, de amores, ciumes...De Noel Rosa, Cartola, Ismael Silva, Adoniram Barbosa para citar somente alguns dos que fizeram a historia da nossa  musica. Isso, enquanto a bossa  nova não chegava para falar de trivialidades quais: o pato, o sol, o mar, a barca e, obvio...da Garota de Ipanema.

Depois do samba de cozinha, de rua, de barzinho, do morro, nascia o samba de apartamento...

E chega  A Banda. Era o periodo da ditadura.Várias novidades musicais passamos a  tomar conhecimento, não mais somente pelo rádio, mas também atraves dos festivais transmitidos pela TV que nascia e se expandia. É ai que começamos a conhecer as musicas de Chico Buarque, mesmo se não era o unico que iniciava sua carreira naquele periodo. Com ele apareceram  no cenario musical: Caetano Veloso; Edu Lobo; Gilberto Gil; Geraldo Vandré; Sergio Ricardo e outros.

A utilização de formas musicais populares para exprimir uma consciencia dos problemas sociais do país se torna mais  frequente naquele movimento cultural que se desenrolava autonomamente. E intelectuais começam  a fazer parceria com compositores populares, numa forma e modo novo. Aparece no cenario o samba do partido alto...e a evolução da MPB, avança, e com ela as criações de Chico.

O reconhecimento, por parte dos portugueses, da obra de Chico Buarque levanta o lençol que, ultimamente,  cobria o que ele fez para abrir os olhos de todos...  De todos os que prestavam atenção ao que esse nosso 'patrimônio histórico' escreveu sobre os problemas que tivemos ao longo de alguns decenios.

Recebi de alguem a  nota abaixo e reproduzo por achar formidavel o levantamento  de como sua obra pesou tano, e positivamente, na vida  desse jornalista.

"GANHAMOS NÓS

Jornalista português e editor do Diário de Notícias, Pedro Tadeu, homenageia lindamente nosso Chico Buarque de Holanda nesse comovente texto abaixo.

Quando recebi no telemóvel o alerta "Chico Buarque ganha o Prémio Camões" senti-me no direito de comemorar uma vitória: "ganhei eu, caramba, ganhei eu!".

Fui ler a notícia. Os seis membros do júri explicavam a razão desta atribuição do galardão literário pela "contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa".

E o que é que este português, de 55 anos, que escreve estas linhas, aprendeu com Chico Buarque?

Aos cinco anos de idade o meu corpo saltitava sempre que no rádio grande do meu pai soava "A Banda", a música que, quando passava, diz o verso final do refrão, ia "cantando coisas de amor". Chico Buarque impulsionou-me a dança.

Aos 10 anos de idade percebi como um indivíduo sozinho nada pode contra o cerco violento da indiferença. Bastou-me ouvir a história circular do operário de "Construção", que "morreu na contramão atrapalhando o sábado". Chico Buarque ensinou-me a identificar a injustiça social.

Aos 11 anos de idade percebi a inutilidade da divindade quando o coro masculino MPB4 repetia, em Partido Alto, "Diz que Deus dará/ Não vou duvidar, ô nega/E se Deus não dá?/Como é que vai ficar, ô nega?". Chico Buarque deu-me razões para ser ateu.

Aos 12 anos de idade intui, com os versos de Fado Tropical, como a brutalidade da colonização sangrou a pele dos povos e como as cicatrizes prevalecentes demoram séculos a fechar: "E o rio Amazonas/Que corre Trás-os-montes/E numa pororoca/Desagua no Tejo/Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/Ainda vai tornar-se um Império Colonial". Chico Buarque ofereceu-me uma identidade, um medo e uma esperança na Lusofonia.

Aos 13 anos de idade percebi, pela letra do pseudónimo Julinho da Adelaide (um autor inventado, usado para ludibriar a censura da ditadura brasileira, que até falsas entrevistas deu aos jornais...), que confiar na polícia pode ser perigoso, como constata "Acorda amor": "Tem gente já no vão de escada/Fazendo confusão, que aflição/São os homens/E eu aqui parado de pijama/Eu não gosto de passar vexame/Chame, chame, chame, chame o ladrão, chame o ladrão". Com Chico Buarque descobri que, às vezes, está tudo certo se se ficar do lado errado.

Aos 14 anos de idade conspirei o sentido da canção "O que será (à flor da pele): "Será, que será?/O que não tem decência nem nunca terá/O que não tem censura nem nunca terá/O que não faz sentido..." Chico Buarque revelou-me o secreto significado da palavra "liberdade".

Aos 15 anos de idade compreendi, ao ouvir "Mulheres de Atenas", que a minha mãe, a minha irmã e a minha namorada viviam num mundo pior do que o meu: "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas/Geram pro seus maridos os novos filhos de Atenas/Elas não têm gosto ou vontade/Nem defeito nem qualidade/Têm medo apenas". Chico Buarque justificou-me o feminismo.

Aos 16 anos de idade espantei-me com o atrevimento de "O Meu Amor". "Eu sou sua menina, viu?/E ele é o meu rapaz/Meu corpo é testemunha/Do bem que ele me faz". Chico Buarque fez-me entender como o sexo pode, ou não, fazer um par com a palavra afeto.

Aos 17 anos comovi-me com "Geni", a prostituta que salva a cidade mas que a cidade despreza: "Joga pedra na Geni!/Joga bosta na Geni!/Ela é feita pra apanhar!/Ela é boa de cuspir!/Ela dá pra qualquer um/Maldita Geni!". Chico Buarque confrontou-me com a dignidade dos indignos.

Aos 18 anos de idade a história de "O Malandro" exemplificou-me como é sempre o mexilhão que se lixa: um tipo que foge de um tasco sem pagar a cachaça que bebeu provoca uma crise mundial. Mas, no final das crises, há sempre um bode expiatório: "O garçom vê/Um malandro/Sai gritando/Pega ladrão/E o malandro/Autuado/É julgado e condenado culpado/Pela situação". 
Chico Buarque antecipou-me a globalização e fez de mim um comunista."
...e eu também.
Dulce Rosa de Bacelar Rocque

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