No finzinho do século XX duas manifestações de massa começaram a engrandecer nosso patrimônio cultural: o Arraial da Pavulagem (1987) e o Auto do Círio (1993).
Ambos aconteciam na Praça
do Carmo, já tombada pelo Município, e somente em 2012 pelo IPHAN. Tal
tombamento não serviu, porém, para modificar o comportamento dos participantes
de ambos os movimentos no uso da área tombada.
Através de conversas com os responsáveis pelo Arraial do Pavulagem, algumas providências começaram a ser tomadas, por ex: colocação de banheiros; limpar a praça após o evento; dispersão dos brincantes remanescentes as 22h; controle da intensidade dos decibéis.
Com o tempo, eles notaram
os danos que tanta gente aglomerada numa área que necessita de particulares
atenções, provocavam e quanto era difícil gerir... o fim da festa. A valorização
que tentavam fazer da nossa cultura, parecia superficial e contraditória diante
da negligência com a preservação do patrimônio histórico. Respeitar as leis
após o espetáculo era extremamente difícil.
Por mais que tentassem, as
normas estabelecidas no Código de Postura eram completamente ignoradas pelos
brincantes. Perturbar o sossego dos moradores
da área depois do evento, era uma regra difícil de eliminar... E a lei
considera “atentatório a tranquilidade
pública qualquer ato, individual ou de grupo, que perturbe o sossego da
população.”
Civilmente, decidiram
evitar a Cidade Velha. Reconheceram o valor das leis numa democracia reconhecendo assim, também, os direitos dos cidadãos e optaram por áreas abertas de maior dimensão.
Quanto ao Auto do Círio, o
comportamento dos organizadores se mostrou muito diferente do Arraial do
Pavulagem. Contato com a “comunidade através de suas organizações representativas” (LOMB/90 art. 108.II) não foi algo que alguem tenha levado em consideração. O desfile do Auto era precedido por
ensaios, e um grupo começava a fazê-lo um mês antes, na praça do
Carmo. Os decibéis nesses ensaios
começaram a aumentar ano a ano. As normas nacionais determinam de 50/55 decibéis,
enquanto que nessas ocasiões se aproximavam dos 100 decibéis.
Nos últimos anos,
começamos a tentar falar sobre a poluição sonora com os organizadores do ensaio
na Praça do Carmo, mas não houve amigável receptividade. Aliás, o comportamento
era bem diferente daquele do pessoal do Arraial do Pavulagem. A
indisponibilidade era evidente, chegando a níveis de prepotência. Depois, soubemos
pela FUMBEL que tinham ordens para não criar problemas durante o evento e entendemos o porque de tal comportamento. De
onde teria partido essa “ordem” de ignorar a defesa dos prédios históricos?
A arrumação do desfile
começava antes das seis horas da tarde. Minha casa, sem nenhum problema,
começou a servir a muitos brincantes, para se vestirem e se maquiarem. Os
abusos, porém, aumentaram exageradamente, ao ponto de alguns brincantes virem se
solidarizar com os moradores, frente o nível da poluição sonora. No ano
seguinte, transferiram as vestições para o Fórum Landi...
Somente em 2018 conseguimos ter dois encontros com a UFPa, nos quais a poluição sonora foi um dos temas tratados. Decidiram então
colocar caixas acústicas em todos os cantos (nos postes) da rua Dr. Assis, o
que foi muito pior, pois mesmo depois de passado o cortejo o ruido ensurdecedor continuava.
Na Praça da Sé, frente às duas igrejas tombadas chegaram a superar os 100 decibéis...
E ainda prosseguiam até o IHGP. Terminavam o cortejo na via situada entre o MEP
e o prédio da Prefeitura.
Tratava-se de respeitar
as leis democráticas..., mas nada conseguimos. Nossos pedidos visavam a defesa
do patrimônio..., e fomos ignorados. E o mau exemplo dado por um órgão
educador, continuou.
Pessoas que falam sem
conhecer a magnitude do problema argumentam que “é só uma vez por ano”, ignorando
o fato de que ensaiavam pelo menos três vezes por semana, durante o mês que
antecede o evento principal. Além do
mais, também falam sem conhecimento de causa das outras fontes de “ruídos
excessivos” recorrentes no perímetro em questão:
- os fogos de artificio, muito
ruidosos, às 23 horas, à saída das noivas após as cerimônias de casamento nas
igrejas da área tombada;
- os trios elétricos que
acompanham as lutas dos trabalhadores em frente a ALEPA e o MEP;
- as festas religiosas
com bandas e fogos ruidosos por várias noites...
-
além das festas de órgãos públicos em frente aos museus ali existentes.
O barulho nas vias públicas é outra fonte de irritação e
incômodo que devemos agregar aos ruidos acima. A chamada poluição sonora
causa, assim, mesmo que indiretamente, problemas como estresse, distúrbios no
sono, doenças cardiovasculares, e até surdez, entre outros.
Imaginem
a gravidade do incômodo, considerando que chegam a cerca de trezentos dias por
ano os mencionados eventos, ainda mais se os acrescentarmos aos demais barulhos
da cidade? Como defender o patrimônio sem tomar conhecimento dessa realidade? Todo
esse excesso de ruidos causa problemas não somente ao patrimônio, mas aos
anciãos que se encontram acamados em várias casas da área tombada. Causa sérios
problemas para quem tem em casa alguém com síndromes várias. Ademais,
prejudicam a saúde dos animais domésticos e da fauna urbana.
Dizem os especialistas que: “A partir dos 70 decibéis, existe
um risco aumentado de contrair infecções e até de infarto”, em seres humanos e
nos animais ditos irracionais.
A poluição sonora é realmente
um problema negligenciado, não somente por alguns gestores de universidades e
igrejas, mas por muitas autoridades, também...
Que tal nos unirmos, inicialmente e civilmente, pensando também no bem-estar do próximo, mais do que no patrimônio, numa cruzada empática contra essa nossa... mal educação?
Muito sensato o convite da CIVVIVA no fim do texto, que todos o aceitem para transformar a triste realidade da nossa Cidade Velha! Obrigado Dulce pelos alertas constantes e, infelizmente, recorrentes.Abraços
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