Quando eu voltei a viver em Belém, em 2004, eram os "ben-te-vi" que me acordavam ao amanhecer. Não lembro o que acontecia primeiro mas a distancia de poucos minutos ouvia o som das cem badaladas dos sinos da igreja do Carmo.
Me acostumei a esse prazer, mas quando tenho hospedes, reclamam que acordar as seis da manhã com esses ruidos...
É, não estamos mais acostumados a ouvir a natureza nem outros sons agradáveis, ao menos, e o nosso amigo Antonio Lobo, nos confirma...
O COVID-19 e os sons urbanos I
Antonio Carlos Lobo Soares*
Dos 75 decibéis (dB) que normalmente chegam ao apartamento onde resido, no 11º andar, hoje medi apenas 60 dB. Como seis dB correspondem à duplicação da potência da fonte sonora, uma redução de 15 dB impacta mais o ambiente urbano, por corresponder a ruído de tráfego, internacionalmente avaliado como desagradável.
O novo vírus proporciona a oportunidade de experimentarmos, hoje, um futuro que provavelmente só chegará a Belém, Brasil, em 50 anos: vivermos em uma cidade agradável, com menos sons mecânicos e industriais e com mais qualidade de vida.
Na minha experiência de quarentena trabalhando em casa, às 8h30 foi possível perceber o canto de três espécies de passarinhos nos quintais, o galo do vizinho que pensava já ter morrido e os sons de obras em quarteirões distantes. Ontem, com a noite mais silenciosa, os latidos de uma cadela border collie no quintal ao lado incomodaram muito mais do que de costume.
Por outro lado, a quarentena desperta sons domésticos que no corre-corre diário estavam "adormecidos": descarga com vazamento no banheiro; porta, armador de rede e máquina de lavar rangendo; mãe chamando a filha para tomar o remédio; bebê chorando; vizinho espirrando; cães arranhando o piso no andar de cima; liquidificador (selo Procel 92 dB) barulhento; televisão ligada; mensagens de pânico no celular; além dos sons do corpo que nos acompanham até a morte.
Em suma, aproveitemos este momento que o COVID-19 nos proporciona para fortalecer os sons: das palavras de afeto para com os nossos familiares, amigos e vizinhos, por telefone; das orações pela humanidade; dos filmes que não tínhamos tempo para ver; das cenas imaginadas daquele livro por ler; do instrumento musical por tocar e da rolha do vinho guardado para um momento especial.
Este momento chegou!
Vamos aproveitá-lo com criatividade, mãos lavadas e um frasco de álcool em gel do lado, pois, oportunidade como esta, à custa de um vírus com fama internacional, desejo que nunca mais volte a acontecer.
* Arquiteto PhD, Museólogo e Artista Plástico,
Tecnologista Sênior do Museu Goeldi.
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