Prof. Dr. José Francisco da Fonseca Ramos
Partindo da UFPA, pelo rio Guamá, atravessado o furo da Paciência é alcançado um espaço amplo de águas, onde se vêem as terras continentais do município do Acará, as casas da localidade de Santa Maria, a esquerda o furo do Bijogó, a ilha Grande e o furo do Benedito, que para montante, com uma largura de uns 200-300 m conduz ao rio Guamá e para jusante, com 300-400 m, à baía do Guajará. O furo do Benedito é, na realidade, o braço esquerdo do rio Guamá, que é separado do leito principal pelas ilhas Grande, Murutucu e Combú .
Das águas do furo do Benedito se deslumbrava em terra, na localidade de Santa Maria, nos fundos da casa e cartório da Dona Oneide, uma chaminé (Fig. 1 ). Esta pertenceu a um engenho ou engenhoca, fabricante de açúcar e aguardente, possivelmente do século XVIII.
Fig. 1: Chaminé associada ao sistema Trem da Jamaica, localidade de Santa Maria, logo ali, a 30 minutos de barco po-po-po, do outro lado da ilha do Combu.
Infelizmente essa história é contada no passado, porque essa chaminé ruiu por volta de 2005 – 2008. Ela estava muito degradada, com as pedras de acabamento de sua base sendo saqueadas para serem usadas em construções, ficando apenas a estrutura interna da mesma, exposta às intempéries. E não foi por falta de aviso às autoridades, porque em agosto de 2001 o Secretário de Cultura à época, Sr. Paulo Chaves, visitou essa chaminé do Trem da Jamaica, atendendo solicitação do autor desse texto. Mas o tempo passou e esse patrimônio histórico foi esquecido.
Fig. 2: Base da chaminé, sem pedras de proteção e acabamento. Está exposta sua parte interna, uma massa de pedras com cimento de gordura ou óleo de peixe substituindo o cimento que usamos hoje para dar liga.
No período colonial da América e do Caribe o açúcar era produzido pelo esmagamento da cana de açúcar entre cilindros de um moinho, ou mesmo sob pedras de mós, donde saia o suco da cana que era levado à ebulição em uma série de caldeiras. Nesse processo a água evaporava até que o açúcar cristalizava na última caldeira.
A casa de cozedura, também chamada casa dos cobres, local onde o açúcar era produzido, recebeu melhoramentos através dos séculos. Inicialmente eram três ou quatro caldeiras ou tachos de cobre, cada um sobre um fogão, consumindo lenha. Por volta de 1720 foi introduzido o sistema Trem da Jamaica, provavelmente criado em Barbados em 1680. Eram cinco caldeiras colocadas em linha sobre um longo fogão de tijolos, com uma fornalha em um extremo e na outra uma chaminé de tijolos. Dessa forma todas as caldeiras podiam ser aquecidas por um único fogo, reduzindo assim o consumo de energia, da lenha que era rara nas ilhas. Ainda assim, porque o método requeria uma grande quantidade de combustível, freqüentemente era necessário sacrificar o grau de extração de caldo da cana para ainda se obter uma quantidade de bagaço que pudesse ser queimado.
Nenhum sistema Trem da Jamaica se manteve conservado. Ainda são encontradas caldeiras em alguns lugares do mundo novo, mas os fornos desapareceram, porque os tijolos eram muito preciosos nas ilhas coloniais do Caribe, assim que era comum se fogões abandonados para reuso do material cerâmico.
Diferente do que em geral se vê na literatura, o fogão do Trem da Jamaica de Santa Maria é de ferro, motivo porque hoje ainda se encontra enterrado sob escombros, solo e vegetação, como visto na figura 3.
Fig 3: O "fogão" do Trem da Jamaica nesse caso é um corpo cilíndrico de cerca de 1 metro de diâmetro e 5 metros de comprimento, metálico, de ferro, como esse da foto tirada em Santa Maria, do outro lado do rio Guamá e da Ilha do Combu.
A série de caldeiras em linha induziu ao nome Trem da Jamaica. Cada caldeira tinha um tamanho, sendo a primeira com volume de 500 galões (1900 L), que diminuía até a última. Na região do Caribe a primeira caldeira recebia o nome de grande, a segunda o flambeau (tocha), a terceira o syrup (xarope) e a menor batterie.
O processo do Trem da Jamaica era primitivo, porque ele requeria a constante atenção de vários escravos fazendo um trabalho manual entediante, exaustivo e perigoso. Além disso, produzia resíduos, porque se o xarope não cristalizasse em açúcar no ponto certo, ele esfriava em uma massa de melaço sem valor. Era ineficiente do ponto de vista energético porque o consumo de madeira e o calor não podiam ser regulados.
No início da colonização, os moinhos eram movidos por escravos ou cavalos. Eram moinhos simples que permaneceram em uso até o início do século dezenove. Nesses engenhos, o lugar de maior perigo era a moenda onde sempre havia o risco dos escravos que passavam a cana passarem desatentamente a mão provocando um acidente que poderia ter como resultado a perda da mão e até do braço. Para impedir que os acidentes fossem mais graves, havia sempre no local um facão pendurado para que o membro do escravo pudesse ser cortado em tempo, já que a paralisação do moinho nunca era possível de ser feita em tempo hábil.
Em engenhos maiores, quando possível era aproveitada a energia hidráulica. Na ilha do Maracujá, situada na foz do furo do Benedito, por estar em zona de marés intensas, foi utilizada a força das águas para girar o moinho.
A água da maré era canalizada (Fig. 4) e impulsionava uma roda d'ãgua, provavelmente nos dois sentidos, da enchente e da vazante. Essa roda d'água era ligada diretamente ao moinho de pedra, às enormes pedras de mós. Há dessas lá no chão, no meio das folhas, no local do engenho na ilha do Maracujá.
Figura 4: Canal para direcionamento da água da maré e aproveitamento na produção de energia hidráulica. Esse canal ainda deve estar conservado e sujeito a visitação.
Engenho, pelo que diz a literatura, é o nome que se dá para a propriedade fundiária com plantação de cana de açúcar, mais a casa grande, senzala, casa de moenda, casa de cozedura, e o que mais pertencer ao complexo. Quando em ruínas, cada resto é chamado de engenho.
Figura 5: Caminho sobre pontes para a localidade de Itancoazinho, Ilha do Maracujá, foz do furo do Benedito e local de ruínas de engenho de açúcar do período colonial.
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