É COM IMENSA SATISFAÇÃO QUE PUBLICAMOS PARTE DA SETENÇA RELATIVA AO PROCESSO 0831545-29.2021.8.14.0301
PROMOVIDO POR TIBURCIO BARROS DO NASCIMENTO (AUTOR)
CONTRA INCOGEL INDUSTRIA E COMERCIO DE GELO E PESCADO LTDA (REU) E MUNICIPIO DE BELÉM (REU)
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ 5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA E TUTELAS COLETIVAS
SENTENÇA 1 – Relatório Trata-se de ação popular ajuizada por Tiburcio Barros do Nascimento, devidamente qualificado nos autos, em face da Incogel Indústria e Comércio de Gelo e Pescado Ltda. e do Município de Belém.
Na petição inicial, o autor narrou que a Rua Joaquim Távora, situada no histórico bairro da Cidade Velha, em Belém/PA, teve seu acesso indevidamente fechado pela empresa Incogel, com a colocação de um portão de ferro, configurando um ato que considerou "ilegal, imoral e irracional" (sic).
Destacou a importância histórica e cultural da via, sua conexão direta com a Baía do Guajará e a tradicional utilização pelos moradores e pela população em geral para lazer e contemplação.
Sustentou que, a apropriação de um bem de uso comum do povo por um particular, sem autorização legítima do poder público, violenta o direito de ir e vir, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, e o patrimônio histórico e cultural da cidade e do país, além de representar um enriquecimento ilícito do particular em detrimento do patrimônio público.
Argumentou, ainda, que a impossibilidade de fruição de espaços abertos, como a rua em questão, assume particular relevância em contextos de saúde pública, como o da pandemia, reforçando a necessidade de ambientes que promovam a saúde mental e o bem-estar.
Em sua emenda à inicial (ID 27971399), o autor explicitou os pedidos para que "Seja derrubado o portão de ferro, a fim de que, todos tenham livre acesso a rua Joaquim Távora e a construção de um trapiche e um mirante pela Prefeitura de Belém para a utilização dos ribeirinhos e demais cidadãos que frequentem o local".
O pedido de tutela foi apreciado e indeferido conforme consta da decisão inserida no ID 52987990.
Regularmente citado e intimado, o Município de Belém apresentou manifestação preliminar (ID 30888579) e, posteriormente, contestação (ID 60376896).
Em ambos os atos processuais, o município arguiu, preliminarmente, a inadequação da via eleita. Sustentou que a ação popular, nos termos da Lei nº 4.717/65, destina-se à anulação de atos lesivos ao patrimônio público, não sendo instrumento processual hábil para postular obrigações de fazer ou não fazer.
No mérito, o município alegou que a pretensão do autor configuraria indevida interferência do Poder Judiciário na gestão da coisa pública, uma vez que a possibilidade de fechamento de via pública por particular integra o mérito administrativo e não pode, por si só, implicar ilegalidade.
Argumentou que, a Constituição Federal estabelece a separação de poderes, vedando a interferência do Judiciário em questões de conveniência e oportunidade do Executivo, salvo ilegalidade, que, em sua visão, não foi apontada.
Acresceu que, a competência para o ordenamento territorial urbano é exclusiva do administrador municipal e que o provimento judicial pleiteado invadiria essa seara. Afirmou por fim que, a inicial não indicou prejuízo real à sociedade e que a realização de obras depende de dotação orçamentária, invocando o princípio da reserva do possível, também com precedentes jurisprudenciais.
Requereu a improcedência da ação.
A Incogel Indústria e Comércio de Gelo e Pescado Ltda., por sua vez, apresentou contestação (ID 37310477). Preliminarmente, arguiu a prescrição da pretensão, alegando que a situação já fora objeto de judicialização em 1993, com pleno conhecimento do município e do Ministério Público há mais de 50 anos, e que a ação popular seria inadequada para questionar matéria já apreciada.
Mencionou o julgamento do EREsp 1.321.501 SE do STJ sobre a prescrição quinquenal para ações civis públicas.
No mérito, a Incogel defendeu a regularidade de sua ocupação, afirmando que a área onde se encontra instalada é um terreno de marinha, situado à beira da Baía do Guajará, e que a ocupa como foreira desde 1968, após regular processo de aforamento junto ao Serviço de Patrimônio da União (SPU).
Apresentou vasta documentação (ID 37310478 a ID 37312902) para demonstrar que suas instalações e o trapiche foram construídos mediante licenças e aprovações de diversos órgãos competentes, como SPU, DNPVN (Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis), CDP (Companhia das Docas do Pará) e Capitania dos Portos.
Sustentou que, "não existe rua que vá até as margens da Baía do Guajará, a rua termina na praça", e que a área contestada seria parte de suas instalações, integrando seu patrimônio privado. Afirmou que, o Ministério Público do Estado já apurou a legitimidade e regularidade das instalações em 1993 (ID 37310477).
Concluiu que, a simples retirada do portão não possibilitaria o acesso à vista da baía, pois a área estaria toda edificada, não permitindo sequer a visualização das águas.
O autor apresentou réplicas às contestações (ID 56658140 e ID 64508858), refutando os argumentos dos réus. Reiterou que, não há atividade econômica na empresa que justifique a restrição do uso público da rua, e que o suposto uso fruto está vinculado à função social, não à ociosidade.
Enfatizou que a Rua Joaquim Távora existia antes da empresa e que o Código Civil e a Súmula 340 do STF proíbem a usucapião contra o Poder Público, especialmente em bens de uso comum do povo.
Aduziu que, a lei municipal autoriza portões apenas em ruas sem saída, o que não se aplica ao caso.
O Ministério Público do Estado do Pará, na qualidade de fiscal da lei, apresentou detalhadas manifestações (ID 75360320 e ID 109339045).
O Parquet rechaçou veementemente as preliminares e os argumentos de mérito levantados pelos réus. Quanto à inadequação da via eleita, o Ministério Público afirmou que a ação popular é, sim, instrumento adequado para combater atos lesivos, sejam eles comissivos (como a apropriação da via pela Incogel) ou omissivos (como a inércia municipal na fiscalização e defesa do bem público). Reforçou a amplitude da palavra "ato" nesse contexto, compreendendo condutas positivas e negativas.
Sobre o alegado mérito administrativo e a ausência de ato lesivo por parte do Município, o Ministério Público apontou contradição na postura municipal, destacando que a própria Incogel mencionou em sua contestação notificações da prefeitura para a retirada do portão, o que indicaria que o município, em outros momentos, reconheceu a ilegalidade da ocupação.
Argumentou que, a ausência de um plano urbanístico não pode justificar a ocupação indevida de uma via pública.
O Ministério Público solicitou tendo sido deferido por este juízo, a requisição ao Município de Belém para levantamento aerofotogramétrico da área para elucidação dos fatos (ID 100890178).
A municipalidade, juntou os documentos da CODEM e SEURB (ID 104202372 e ID 104202382), informando que "a Rua Siqueira Mendes com a Travessa Joaquim Tavóra pelo último levantamento aerofotogramétrico em 2014, não há indicativos de construção de portão na esquina".
O Ministério Público, em manifestação complementar (ID 109339045), analisou os documentos e os rechaçou, asseverando que o próprio documento da SEURB demonstra que a área em debate é, de fato, a continuação da via pública Joaquim Távora (destacada em verde no mapa), que, a partir do último quarteirão, é denominada "Beco do Cardoso" (destacada em vermelho no mapa), confirmando a usurpação da área pública.
O Parquet aprofundou a análise histórica de Belém, apresentando informações sobre a origem da cidade e a formação das ruas da Cidade Velha, a partir do rio, com a Rua Joaquim Távora sendo originalmente o "Caminho do Atalaya", que tinha acesso direto à baía.
Citou depoimentos de moradores históricos para demonstrar que o acesso ao rio sempre existiu e era utilizado pela população, sendo a obstrução um fato recente e le...sivo à memória e cultura locais.
Adicionalmente, o Ministério Público utilizou imagens do Google Maps para evidenciar a situação atual da via, com o portão da Incogel obstruindo o acesso, e indicou a possibilidade de aluvião na área. Contudo, argumentou que, mesmo com aterramento, o direito pátrio não protege a apropriação, pois o acessório (aterro) segue o principal (a via pública original), e que tal ação configuraria enriquecimento sem causa.
O autor popular, em sua última manifestação (ID 111100516), ratificou as provas e argumentos, reforçando que o portão de ferro impede a vista e o acesso da população ao rio, que é um direito histórico e cultural.
O processo foi saneado (ID 137903971), sendo reconhecida a desnecessidade de produção de outras provas, dadas as provas documentais já acostadas e a suficiência do conjunto probatório para o julgamento da lide.
É O RELATORIO
SEGUE ...
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