quinta-feira, 14 de novembro de 2019

"Acústica e trabalhadores de rua"


Nos anos 80, em Bolonha (Italia) fiz um trabalho sobre bancas de revista e postos de gasolina, ambos situados nas beiras das calçadas. O trabalho foi feito nas oito provincias existentes, então, na Região Emilia Romanha e durou um ano. Fizemos um levantamento detalhado, inclusive sobre pais e avós que tivessem ou não, trabalhado no mesmo local. Não era a saude o principal motivo desse estudo, mas a poluição ambiental a que levava.(*)

Para chegar a intenção final, um dos meios era fechar os postos de gasolina que estavam nas calçadas e aqueles que vendiam menos de 100.000 litros de carburante por ano....e eram muitos. As calçadas das cidades italianas eram cheias de 'bombas de gasolina' e, inclusive, começavam a atrapalhar o transito de veiculos que aumentava cada vez mais.

França, Alemanha e Reino Unido tinham começado nos anos 70 a redução dos postos de venda de gasolina  e em 1994 ja tinham chegado a 50% deles. A Italia começa essa luta em 1978 e em 1994 tinha chegado a reduzir pouco menos de 30% deles. No entanto, na Região Emilia-Romanha, o resultado desse estudo levou a fechar a maior parte das vendas de jornais e revistas situados nas calçadas, assim como  a maior parte dos postos de gasolina também da Região.

Devemos lembrar que, importante foi também o interesse que nosso estudo despertou no maior estudioso de cancer italiano, o qual nos procurou e obteve os  dados relativos a parte relativa a 'mão de obra'. Conseguiu assim identificar a tipologia das doenças de quem trabalhou anos vendendo gasolina. Quanto as 'jornaleiros' a doença principal era a "surdez" provocada pelos rumores do transito, ex. businas.

IMPORTANTE é para nós, hoje, que lutamos contra a poluição ambiental, esse trabalho do amigo e colaborador, estudioso de 'poluições, Dr. Antonio C.L. Soares, que agradecemos por nos disponbilizar seus estudos.

Acústica e trabalhadores de rua
Antonio Carlos Lobo Soares**

Há muito que eu tinha a curiosidade de estudar a relação dos trabalhadores de rua com o ambiente sonoro urbano. Neste outubro coletei dados de trabalhadores que permanecem por mais de 6h diárias nas calçadas das Avenidas Nazaré e Magalhães Barata, da Praça da República até o Mercado de São Braz, em Belém do Pará.

Identifiquei barracas autorizadas pela Prefeitura e outras irregulares, fotografei, medi o som ambiente e entrevistei alguns trabalhadores. A minha intenção era identificar se o ruído do tráfego, que predomina neste corredor de 2,6 Km, com 12 quadras, incomoda e/ou prejudica a audição de quem permanece várias horas por dia neste ambiente urbano e, por muitos anos.

Identifiquei no percurso: 16 bancas de revistas e 5 de jogo do bicho; 25 barracas de venda de lanches/refeições, incluindo tacacá, vatapá, caruru e tapioca; 10 carros de bombons; 5 de frutas e água de coco; 3 de castanhas do Pará, caju etc., um de vitaminas com pó de guaraná e outro de óleos e ervas regionais.

No trajeto encontrei, estacionadas e cercadas de clientes, 8 bicicletas adaptadas à venda combinada de salgados e sucos, o famoso “completo”. No entanto, chamou a minha atenção o número (14) de barracas de venda de roupas e acessórios, sombrinhas, óculos, anéis, celulares e outras bugigangas “do Paraguai”.

Entre os prestadores de serviço, registrei 5 barracas destinadas ao conserto de relógios, óculos, celulares, eletrodomésticos e sapatos e 8 guardadores de carros (flanelinhas) assíduos, quatro em frente ao Museu Goeldi e outros quatro no Largo do Redondo, na Av. Nazaré com a Tv. Quintino Bocaiuva.

Realizei 10 medições sonoras ao longo do percurso, praticamente só de tráfego (motor e freio, descarga, buzina e atrito do pneu com o solo), sendo que os níveis encontrados ficaram entre 70,7 e 76,5 dB, quando o Conselho Nacional de Meio Ambiente recomenda 55 dB durante o dia, para um ambiente sonoro de qualidade.

As entrevistas identificaram trabalhadores residentes em bairros periféricos que estão em média 11 h diárias na calçada e no mesmo local entre 2 e 48 anos. A maioria respondeu que as horas do almoço e fim de tarde são as mais ruidosas e incômodas, mas que já se acostumou com o ruído do tráfego. Entretanto, alguns relataram dor de cabeça no fim do dia e que os parentes reclamam do volume alto quando ouvem televisão. Pasmem, nenhum fez qualquer tipo de exame auditivo na vida!

** Arquiteto PhD, Museólogo e Artista Plástico,
Tecnologista Sênior do Museu Goeldi.

* o resultado desse estudo foi publicado em 1997 na coleção 'Studi e Ricerche 81' pela Unioncamere Emilia-Romagna - CERCOMINT. "LA RAZIONALIZZAZIONE DELLA RETE DI DISTRIBUZIONE DI CARBURANTE DELL'EMILIA-ROMAGNA"  (Rosa de Bacelar)

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