domingo, 17 de fevereiro de 2013

PERIGO NO ARQUIVO PÚBLICO


Prédio está em péssimas condições. já os documentos, bem guardados.

O Arquivo Público do Estado do Pará (Apep) não recebe mais documentos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário desde a década de 80. Isso porque os mil metros lineares do prédio, que completa 112 anos no dia 16 de abril deste ano, não são mais suficientes para os mais de quatro milhões de documentos (número estimado, pois ninguém sabe ao certo). Após várias gestões que nunca priorizaram obras de restauro, o local acumulou problemas elétricos, hidráulicos e estéticos. Em caso de incêndio, as medidas de segurança praticamente não existem, começando pela pequena quantidade de extintores. Há curtos-circuitos constantes e infiltrações que põem em risco os 25 funcionários, visitantes (20 por dia) e o acervo. Este ano o Apep deverá se mudar para um local mais acessível que o estreito centro comercial de Belém, numa tentativa de fazer valer a lei de acesso à informação (Lei Federal 12.527/2011, em vigor desde maio do ano passado). A área do comércio é considerada pelo Corpo de Bombeiros Militares do Pará (CBM-PA) e pela Centrais Elétricas do Pará (Celpa) como uma "bomba-relógio" pelo excesso de instalações elétricas antigas e ligações clandestinas.

Pela incapacidade do Apep de receber novos documentos, é possível que vários órgãos estaduais tenham perdido incontáveis documentos pela ausência de arquivos próprios adequados e profissionais capacitados para a criação de "arquivos mortos", termo usado para o material que perdeu o valor administrativo, mas ganhou valor histórico. O Apep apenas orienta como lidar com esse material de forma consultiva. Atualmente, há entre dois e três mil pacotes de documentos avulsos (resultando em uma quantidade inestimável de papel até que todos sejam abertos), termo usado para registros de movimentações de recursos públicos, convênios e relatórios de gestão. Muitas pessoas desconhecem, mas os arquivos públicos muitas vezes são as formas físicas dos canais da transparência de cada Estado.

Desde a fachada os sinais de abandono são evidentes, mesmo que alguns exijam uma observação mais crítica. As paredes estão pichadas e a pintura descascando. Há vários detalhes em ferro já oxidados. Plantas crescem em algumas partes. Do lado de dentro, a arquitetura imponente e luxuosa advinda da Belle Époque (movimento europeu de 1871 a 1914, que quer dizer "Bela Época" em francês) é desfigurada com as infiltrações e paredes descascadas. Há fiações expostas e tocas de cupins, apesar das descupinizações quinzenais. Vigas em madeira apresentam partes podres pela umidade e tempo de uso. Os curtos-circuitos criam um gasto desnecessário com lâmpadas que, volta e meia, precisam ser trocadas.

Ainda no ano passado uma licitação seria feita para escolher uma empresa para restauro e manutenção do patrimônio histórico atrelado à Secretaria de Estado de Cultura do Pará (Secult). O projeto estava no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com o valor de R$ 2 milhões. Porém, a licitação não saiu do papel.

Os documentos, por outro lado, estão muito bem guardados em equipamentos novos e sendo tratados com muito afinco pela diminuta equipe, que, hoje, representa menos da metade do que deveria ser. Um dos motivos para haver pouco pessoal é a escassez de mão-de-obra qualificada em todo o Brasil e, principalmente, no Pará. Faltam arquivistas e restauradores. Somente no ano passado é que a Universidade Federal do Pará (UFPA) iniciou a graduação em Arquivologia. Grande parte dos arquivos públicos do Brasil possui corpo técnico majoritariamente composto por historiadores e bibliotecários, que pinçam disciplinas afins e precisam buscar especializações. A carência foi revelada no último encontro de diretores de arquivos públicos, de 4 a 6 de dezembro de 2012, no Arquivo Nacional (RJ), do qual o atual diretor do Apep, o doutor em História Agenor Sarraf, participou.

Objetivo é que o apep se mude para o atual prédio da Funtelpa

O doutor Agenor Sarraf assumiu a diretoria do Apep em agosto do ano passado. Após um diagnóstico completo do local, chegou à conclusão de que o Arquivo precisa ir para novo endereço; mudar o organograma (um modelo novo está pronto, baseado nos do Rio de Janeiro e São Paulo); contratar mais pessoal, capacitar mão de obra ou importar profissionais. Todas as sugestões foram aprovadas em reunião com o governador Simão Jatene e pelo secretário de Estado de Cultura, Paulo Chaves. A ideia inicial seria que o Apep se mudasse para onde hoje funciona a sede da Fundação de Telecomunicações do Pará (Funtelpa) e a Imprensa Oficial do Estado do Pará (IOE), na avenida Almirante Barroso, uma das principais vias de Belém. O prédio antigo do Arquivo se tornaria o Museu de Imagem e do Som e teria acesso a todos os documentos do acervo digitalizados até agora. O novo museu aproveitaria os alunos do também recém-criado curso de graduação em Museologia da UFPA.

"Já tivemos a visita de arquitetos especialistas no prédio para ver quais as reformas necessárias no Apep. Já na sede da Funtelpa, precisamos de várias adaptações. E sim, pode até sair mais caro que construir um prédio do zero, o que seria o ideal, mas a dificuldade é encontrar o espaço. A expectativa é fazer essas mudanças ainda neste ano. Também precisaremos de mais computadores, cadeiras, mesas, estantes, prateleiras, armários e arquivos deslizantes", disse Sarraf.

Lançamentos - Desde 2010, o Arquivo Público do Estado do Pará (Apep) acumulou R$ 690.721,06 em convênios com a Caixa (já concluído e com contas prestadas) e com a Petrobrás (em execução e quase concluído). O dinheiro foi usado na produção de publicações internas. Numa chamada de 2010 do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mais recursos foram aprovados no total de R$ 468.728,66, com a possibilidade de aumento da rubrica para até R$ 1 milhão.

"Os projetos são basicamente de higienização, catalogação, digitalização e verbatização dos documentos. O convênio com a Caixa resultou num catálogo de documentos manuscritos do período colonial, de 1649 a 1823. Para este ano, na semana do aniversário, queremos entregar o resultado do convênio com a Petrobrás, que são dois volumes de catálogos de fontes e textos do Apep; ferramentas que podem reduzir de 70% a 80% o tempo de pesquisa necessário", comentou o historiador.

Associação dos amigos afirma que o restauro parou desde 2010

Associações e grupos voltados à preservação do patrimônio histórico do Pará fizeram um protesto em 31 de maio do ano passado, em frente ao Arquivo Público do Estado do Pará (Apep), exigindo a manutenção e restauro do prédio, construído em 1858. Na madrugada de dia 18 de maio, a diretora executiva da Associação dos Amigos do Arquivo Público do Estado do Pará (Arqpeq), Ethel Soares, informou, por redes sociais, que havia ocorrido um curto-circuito numa tomada da sala de documentação permanente. Um incêndio foi impedido após o vigia ter desligado a energia do prédio, mas o risco permanecia pela instabilidade do fornecimento de eletricidade no centro comercial de Belém. A Secretaria de Estado de Cultura (Secult) garantiu que não houve tal curto-circuito e que o ocorrido foi a queima do reator de uma calha com quatro lâmpadas fluorescentes. Essas lâmpadas permanecem apagadas. O órgão reconheceu que o prédio histórico carece de reformas, pois durante o governo da petista Ana Júlia Carepa (2007 a 2011), o Apep não passou por restauro algum.

Uma das diretoras da Arqpep, Lélia Fernandes, que faz parte do Fórum de Cultura de Belém e é ex-diretora de patrimônio da Secult, destacou que, desde 1990, não há um trabalho de restauro no arquivo. Ela garantiu que na gestão dela na Secult, entre 2007 e 2010, foi feito um projeto de restauro pelo programa "Preservação da memória, identidade e diversidade cultural", colocando o Apep em prioridade. O projeto incluía modernização do arquivo com digitalização dos documentos, construção de um novo prédio e qualificação dos servidores.

"Quando saí havia um projeto pronto para o restauro, um projeto para o novo prédio que seria no Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá (PCT). Infelizmente, não sei o que houve e isso não saiu. A memória documental não é prioridade para os governos", disse.

Secult nega que tenha ocorrido incêndio

Durante o episódio do princípio de incêndio, a então diretora de Patrimônio da Secult, Rosário Lima, confirmou que recebeu as denúncias na madrugada do dia 18, por redes sociais, e imediatamente acionou o diretor geral do Apep. O diretor desconhecia a situação, mas mandou um eletricista verificar imediatamente. O eletricista constatou que não se tratava de uma tomada queimada, mas sim do reator de uma calha de lâmpadas fluorescentes. Com a queima, o disjuntor de proteção desligou o circuito e depois foi religado pelo profissional após a remoção do reator. "Não houve esse curto-circuito que foi denunciado e nem há razão para alarde. Não há marcas de incêndio, nem sequer um chamuscado. Mas isso foi como ‘a gota d’água’ para motivar esse protesto", afirmou.

As informações foram sustentadas em laudo técnico assinado por Luís Chaves, supervisor de manutenção da empresa Araújo Abreu, que foi licitada em 2008, pela Secult, para restauro de vários prédios históricos, mas que não incluía o Apep no contrato. A visita no local foi feita na segunda-feira seguinte, 21. A queima da calha teria sido no final da tarde do dia 17. O laudo apontava que o caso de queima de um reator é facilmente verificado com odor característico.

"A ex-diretora de Patrimônio da Secult se manifestou no protesto pedindo providências para a manutenção do arquivo, mas não disse por que nada foi feito na gestão dela para cuidar do prédio, que passou quatro anos sem manutenção. Na licitação que procurava uma empresa para restauro e manutenção de prédios históricos, o Apep não estava incluído no contrato", declarou a diretora.

O historiador e diretor do Apep, Agenor Sarraf, disse que "há males que vêm para bem, já que após o protesto o Arquivo voltou a ser olhado pelo governo. É um problema histórico e em nível nacional de não se cuidar dos arquivos públicos, não importa a gestão ou partido político", concluiu.

Amazônia Jornal
Edição de 17/02/2013
Por Victor Furtado
Via: http://migre.me/dhZfv

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