Foi uma afirmação boba lida no "facebook", dessas que se diz para ventilar a boca, que me levou a escrever de outro modo, sobre as CALÇADAS, que tanto ocupam meu tempo e meus pensamentos. Isso porque as uso diariamente e, vivendo numa área tombada pelo IPHAN, mais motivos tenho para me abismar com tudo o que vejo.
Dizem alguns historiadores que as calçadas antecederam o nascimento das cidades... porque refúgio dos andarilhos. Eram, então, o abrigo do caminhante diante das trilhas abertas às caravanas feudais ou às tropas senhoriais. Isso nos diz o arquiteto e pesquisador Francisco Cunha, na precisa observação que faz no livro que divide com o engenheiro Luiz Helvecio, a respeito das...calçadas. Esses pernambucanos são cidadãos na melhor acepção do termo, defensores de Recife com palavras e ações. Poderiam servir de exemplos para os paraenses, tão distraídos com tantos motivos fúteis.
Nem todos pensam, nem se comportam assim, como eles. Há, portanto, controvérsias. Sobre o que não há dúvida, é que as primeiras calçadas de que se tem conhecimento, já existiam na cidade de Pompeia, antes do terremoto do ano 62. Essa descoberta é recente e foi feita antes do Covid 19, no sítio arqueológico de Pompeia, próxima à necrópole de Porta Stabia. De fato, escavações feitas naquela área revelaram a existência de uma estrada pavimentada com calçadas, inclusive... sempre exercendo sua função primordial de proteção àqueles que utilizavam o mais antigo e saudável meio de transporte: os pedestres.
O tempo passou e, em alguns casos elas se alargaram, em Belém em vez, na Cidade Velha, elas já nasceram estreitas, e assim continuaram no período do ciclo econômico da borracha. Durante todo esse tempo que passou, sua função principal não mudou, mas outros usos foram acrescentados, bem distantes da razão do seu nascimento. Esses usos, modernos, tiram porém, o espaço daqueles que as usam por necessidade.
Vejo, seja da janela da minha casa, seja quando ando pelas calçadas estreitas da Cidade Velha, e compartilho o desespero daquele ribeirinho, que ao desembarcar de um "popopó", deve chegar a parada do ônibus, com a perna enfaixada com um pedaço de madeira no meio, e esperar o ônibus, ao sol ou sob a chuva... na busca por um Pronto Socorro. Só eu sei o que ele há de encontrar, antes de chegar na parada do onibus, que nem é sinalizada...
Noto como é impossivel, com um carrinho de bebê, ou numa cadeira de rodas, tentar subir e descer os degraus da rua Dr. Assis, que surgiram nas calçadas para defender as lojas, da água da chuva, que invadia os estabelecimentos, porque aumentaram o nível das vias carroçáveis com sucessivas camadas de asfalto, e esqueceram de adequar as calçadas que ficaram mais baixas... Os donos das lojas se defenderam, sobrepondo outros revestimentos às pedras de liós (que a SECULT tinha até tombado em data 02.07.1982); criando assim, um desnível que um carrinho de bebê ou cadeira de rodas não conseguem superar.
Depois, como passar entre: os carros estacionados perto das paredes frontais das casas; as bicicletas, motos, e as vezes até canoas, que são consertadas na frente das lojas...? Isso tudo, ocupando as calçadas que se destinam aos pedestres!!!
Como chamar de cidadão quem estaciona seu carro sobre as calçadas, ou no meio de uma praça; ou quem coloca cadeiras e mesas nas calçadas, sem reservar uma faixa de 1,2m, previsto das leis para uso cidadão; ou quem ignora as nomas do bem viver no século XXI, ignoradas até por aqueles funcionários públicos que as deveriam defender?
Me vem em mente o motivo do aparecimento deste “bem” - a calçada -, para os cidadãos e, só isso, já eleva o conceito que tenho daqueles antepassados que pensaram no próximo, e as suas necessidades. Ao invés disso, hoje, com todos os avanços da ciência e da tecnologia, quem nos governa se esquece até de quem... vota.
Aqui em Belém, elas também foram refúgios de andarilhos e abrigo de caminhantes, além das ocupações que a modernidade trás, mas isso tudo é triste e muito injusto para todos. Imaginem para um deficiente visual.
Cidadania não existe, desse jeito, nem para defender nossos direitos previstos em lei.
Aquele livro me fez pensar que realmente “a calçada é o primeiro degrau da cidadania urbana. O desrespeito por ela, que se traduz no desrespeito ao elementar direito de ir e vir, fere de morte o respeito aos demais direitos cidadãos.” e por aí começa a nossa incivilidade... de todos nós.
É, numa cidade onde nem a calçada é respeitada, não se pode esperar respeito por mais nada.